A SITUAÇÃO AMERICANA

Como os leitores conhecem já bem, nunca considerei os Estados Unidos como uma real democracia. E creio que, nos dias de hoje, os mais atentos, mesmo quando, por razões de defesa pessoal, o não podem reconhecer, também deverão manter esta minha interpretação da estrutura da sociedade norte-americana.
Os Estados Unidos constituem-se, desde a sua fundação, numa sociedade de triunfo individual. Uma sociedade baseada no salve-se quem puder, mesmo que tal objetivo tenha de ser conseguido à custa da exploração de outros, reduzidos a uma pobreza forte.
Do mesmo modo, talvez até pelo antes exposto, os Estados Unidos acabaram por desembocar numa sociedade extremamente violenta, onde a força foi sempre uma arma determinante no triunfo individual dos vencedores.
A subordinação, pela força, dos naturais daquelas terras, à semelhança do praticado no mundo pelos europeus que demandaram outras paragens, criou uma discriminação baseada na espécie e na raça. E o mesmo se deu com os negros e os hispânicos, ao mesmo tempo que a sociedade se estratificou, sempre com o simbolismo da força, por origens europeias: ingleses, irlandeses, italianos, japoneses, chineses, etc..
Estas caraterísticas acabaram por determinar duas consequências: o amplíssimo direito ao uso e posse de armas, como também um sistema judicial marcado pela brutalidade, e até pela negociata ao redor da resolução dos problemas em jogo.
A discriminação racial lá acabou por se ver ilegalizada, num tempo em que estava presente no mundo o comunismo soviético e o chinês e quando o espaço europeu se caraterizava por uma estrutura social segura e em crescendo de liberdade e de bem-estar social mínimo com vista à defesa da dignidade humana.
O fim do comunismo soviético levou ao triunfo neoliberal, e com este surgiram uns Estados Unidos já como verdadeiros donos do mundo, fazendo a guerra onde muito bem entendessem, sem limites de ninguém, e ao ponto de reinstaurarem a tortura ao nível oficial, suportada na legislação entretanto publicada.
Estas realidades acabaram por culminar na desagregação de um mínimo de valores ligados à dignidade das pessoas, com o negócio a não ter limites e com quem trabalha a voltar a ser uma peça num sistema produtivo injusto e desumano. O valor pátrio sumiu-se imenso, e também assim o valor religioso, um sentimento de injustiça e de abando apoderou-se de boa parte dos norte-americanos, a violência cresceu sem parar, tudo acabando por desembocar na histórica invasão do Capitólio.
Hoje, percebe-se que a sociedade norte-americana é uma sociedade decadente. Os norte-americanos, de um modo muito geral, deram-se conta de que, naquilo que realmente importa, quase não são ouvidos nem podem aceder aos poderosos das classes política e financeira. Ficaram, pois, à mercê de quem possa, sempre suportado no dinheiro, apontar uma espécie de caminho da verdade e da justiça, e tudo contra a (realíssima) malandragem que detém o poder. Donald Trump, como se sabe, foi o homem providencial que sempre surge num tal momento. E como o problema de fundo não pode ser resolvido, tudo vai apontando para um possível regresso de Trump à Casa Branca. Uma reconhecida possibilidade, que está a levar mil e um a tentarem tudo para que Trump não possa realizar um tal caminho.
No meio de tudo isto, um terrível risco: os Estados Unidos continuam a manter ao seu dispor uma classe política europeia fraquíssima, histórica e psicologicamente dependente, e possuem um amplíssimo leque de armamento, mormente nuclear, sendo conveniente ter em conta que foram, até hoje, o único país que utilizou armas nucleares contra quem as não possuía e até se encontrava à beira da destruição interna. E depois do que se viu com o Afeganistão, quem se determina ainda a confiar nas garantias dos Estados Unidos…?