Os últimos episódios de Arcane, série de de League of Legends na Netflix, chegaram no último sábado (20) com um clima de tirar o fôlego. Depois de um início impecável, com os três primeiros episódios da série, e um segundo ato capaz de elevar ainda mais as expectativas sobre o que vinha a seguir, a conclusão chega com uma entrega emocional digna de clímax, e já preparando o inebriante universo da série para a segunda temporada já confirmada.
Baseada em alguns dos personagens mais estimados de LoL, a produção em parceria com a Riot Games recusa soluções previsíveis ou muitas simplificações de maniqueísmo. Acima de tudo, Arcane oferece uma experiência sensorial que insere o público em um agradável encontro entre as telas de seu game de origem e a arte delicada e detalhista da tradição francobelga da animação e dos quadrinhos; o trabalho que mescla 3D com texturas e cores de 2D é um triunfo inegável do estúdio de animação Fortiche, que ficara encarregada da realização.
A narrativa se dá em torno de duas intrincadas relações: entre Vi e Powder, que ao longo de uma sequência de eventos, traumas e rupturas se convertem de inseparáveis irmãs em singulares rivais e, ao mesmo tempo, entre as cidades gêmeas de Piltover e Zaun, a primeira marcada pelo compromisso inabalável com a inovação tecnológica e a segunda pela desigualdade extrema e pelo ressentimento das guerras do passado.
No primeiro episódio, somos apresentados ao Ladoalto de Piltover pelos olhos da jovem Vi que, com Powder e seus amigos, se aventura pelos telhados da área nobre da cidade, atrás de bugigangas de valor para levar de volta aos escombros da subperiferia de Zaun, onde o povo luta pelo mínimo para sobreviver. Quando Powder se depara com estranhos cristais explosivos, tudo vai abaixo, literalmente, e as duas cidades se veem na iminência de uma nova guerra civil a menos que um culpado seja identificado. Os cristais, descobrimos pouco depois, são a fonte de uma grande revolução tecnológica que promete alçar a elite científica da Piltover para o futuro, e sedimentar Zaun cada vez mais no esquecimento e no passado.
Ao longo dos três episódios que compõem o segundo ato nos deparamos com as duas irmãs transformadas pelo tempo e pelo sofrimento das condições de vida deteriorantes de Zaun, e com a dupla de cientistas responsável pela prosperidade crescente de Piltover. Ao passo que os cristais de hextec garantem ao Ladoalto linhas de comunicação e transporte com importantes parceiros comerciais, Zaun se vê submetida à sede de poder de Silco, que explora e intoxica os trabalhadores da subperiferia para extração de uma poderosa droga que ele acredita ser a chave para enfrentar Piltover.
Para o ato final, as cidades gêmeas se veem ameaçadas por um conflito de graves proporções e Piltover precisa decidir entre instrumentalizar a inovação tecnológica para a guerra, ou preservar o compromisso de seu novo conselheiro-chefe com o uso benevolente da tecnomagia. Vi e Powder – já em plena transição para se tornar a Jinx que os jogadores de LoL bem conhecem – estão mais divididas do que nunca, e precisam descobrir onde residem suas lealdades no emaranhado de atritos que detonam em todos os cantos das cidades.
A produção é um presente mesmo para quem nunca teve contato com o universo do jogo e, mesmo assim, se vê engajado na história das irmãs e de Piltover e Zaun. Em Arcane, heróis e vilões são definidos menos por suas funções dramáticas e mais por suas convicções, contradições e dúvidas, definidos que são por suas cidades de origem, seus passados e suas condições econômicas. O resultado é uma fantasia de inspiração steampunk bastante acessível e que, mesmo assim, não se furta a discutir dilemas morais e disputas sociais. Ao acompanharmos ao longo da temporada os processos de amadurecimento e construção de cada personagem, a tese elementar da história é comprovada: criamos nossos próprios monstros, e as consequências são incalculáveis. (OMELETE)