No dia de Pentecostes, não existe açoriano que não celebre a Festa em Honra do Divino Espírito Santo. É a festividade que mais une os Açores e, por esta razão, na segunda-feira que se segue a esta solenidade cristã, celebramos o dia da autonomia e da unidade arquipelágica presente no meio do atlântico.
As Festas do Divino marcam a alma açoriana há séculos e moldaram o nosso caracter e a forma de viver e estar em sociedade. É a única manifestação de piedade popular que tem, como fim último, a caridade e a beneficência. O verdadeiro devoto tem plena consciência do dever de fazer o bem. Os Impérios do Divino Espírito Santo têm o seu alicerce nos valores e no humanismo cristãos (as coroas mais antigas têm quatro hastes que simbolizam os quatro Evangelhos) e, por este motivo, a finalidade principal da promoção de uma festa em honra do Divino Espírito Santo é, com certeza, levar os mordomos ou imperadores a renderem-se à prática da caridade, a fazer o bem sem olhar a quem, vendo cada ser humano como um irmão com valor intrínseco.
Estas são as festas da abundância que nasce da partilha dos pobres e dos mais abastados que se unem para fazer o Império, o Bodo ou a Função. Na ilha Terceira, alguém me dizia que, mais do que o Natal ou a Páscoa, o dia de Bodo era o que mais lhe tocava por saber que todos, independentemente do seu estatuto social ou condição financeira, teriam neste dia, na sua mesa, a carne, o pão e o vinho do Divino. Era um homem abastado e lavrador de profissão; nas suas veias corria uma grande devoção ao Santo Espírito (já seu pai e mãe a tinham) o que lhe dava uma consciência e responsabilidade social impressionante. A Bandeira é o símbolo do Império onde há abundância gerada na partilha.
Estas são as festas do serviço como missão básica do ser cristão. Alguém dizia: “quem não vive para servir não serve para viver”. O mordomo ou imperador, ao abrir a sua casa para a reza do Terço e ao promover o Rito da Coroação de forma solene, compromete-se, diante de Deus, a servir o seu semelhante. No Evangelho, aquele que possui maior poder tem mais responsabilidade e a hercúlea obrigação de se colocar de joelhos diante dos mais fracos e indefesos socialmente. Ao contrário da mentalidade predominante em que todos querem mandar, nas festas do Espírito Santo os mordomos dão o exemplo sendo os que mais trabalham. O ceptro é o símbolo do poder que se faz serviço. Estas são as festas da fraternidade que emana da certeza de sermos todos filhos e, por conseguinte, iguais diante de Deus, nosso Pai. De facto, não é fácil encontrar o que se vive em dia de Espírito Santo: ricos e pobres, instruídos e analfabetos, jovens e idosos, políticos e pescadores, padres ou ateus, todos se sentam à mesma mesa, sem lugares de honra ou previamente marcados e partilham dos mesmos alimentos. Para os almoços ou jantares do Espírito Santo, em dia de Bodo ou função nos Impérios, não há convites nem lugares de destaque: todos são irmãos. Não há exclusão social baseada na raça, credo, orientação sexual, idade ou género: todos têm lugar à mesa. Se assim não acontece, é mau prenúncio e sinal de deturpação do espírito fundador da devoção ao Divino Espírito Santo. Estas são as festas do perdão que procura criar raízes no coração de quem as promove. As portas do Império ou da casa onde se encontram os símbolos da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade (Coroa, Ceptro e Bandeira) estão sempre abertas para todos. Conheci um homem que estava brigado com todos os seus irmãos por motivos de heranças e partilhas. Caiu-lhe nas “sortes” ser mordomo de um Império. Para espanto de toda a comunidade, mal soube da notícia, a sua primeira ação como mordomo foi reconciliar-se com todos os seus irmãos. Alguns amigos ainda lhe tentaram dissuadir, uma vez que, segundo diziam, ele teria sido o prejudicado. Ele, no entanto, respondia: “O Espírito Santo é Paz e Perdão. Como vai Ele entrar em minha casa se não sou capaz de perdoar os do meu sangue?” A alma cheia do Espírito Santo é como uma esponja que absorve a água do perdão; o coração onde o Espírito Santo não habita é como um calhau duro…
(continua)
P.S. – Um feliz dia dos Açores e parabéns aos benfiquistas pela conquista do 38.