Até haver vacina haverá restrições

Mês e meio depois de dar ordem de confinamento quase total ao país, António Costa lançou o plano de reabertura.

As novas regras chegam em três fases de implementação: começam a 4 de maio, continuam a 18 de maio, mas têm olhos postos para o depois do dia 1 de junho. Esse é o novo dia D, de desconfinamento, para António Costa: é quando começa o “novo normal”, se tudo correr bem, com toda a economia já em funcionamento. Mas não será uma economia em pleno, confirmou o Expresso junto de fonte do Executivo: daqui até haver vacina (ou medicamento, ou imunidade de grupo ao vírus) manter-se-ão sempre algumas regras gerais e outras específicas, diferentes por sectores.
Até porque, “enquanto houver covid, não há vida normal”, explica a mesma fonte. Esta quinta-feira, o primeiro- ministro admitiu que é preciso acelerar para estancar a crise económica e social. E marcou a “reabertura plena” da economia para junho, dependendo da avaliação que for feita em termos sanitários. Mas deixou a incógnita de como vai ser o dia a dia do país depois disso.

Deixou em aberto, porque esta é a grande dúvida que ecoa dentro do Governo: como definir regras para o “novo normal”, que durará “até que haja vacina”, que não esmaguem a atividade económica, numa altura em que as empresas estão num ataque de nervos?
A certeza é que “não podemos estar ilimitadamente com o nível de restrições que temos tido. Não é suportável”, diria mais tarde em entrevista à RTP.

“A liberdade total, a realidade que tínhamos em fevereiro, essa não vamos ter”, disse. As regras que ontem foram definidas para os três períodos de 15 dias irão sendo atualizadas para o período da tal abertura final.

O plano está em construção, e nesta altura ainda nem está definido com que regras voltarão bares, discotecas, ginásios e eventos de grande dimensão, como festivais e congressos. Só há a certeza de que, mesmo com uma abertura “plena”, haverá sempre limitações.
“Esta é uma situação precária”, reconheceu o primeiro- -ministro. As regras serão para cumprir pelos cidadãos, de etiqueta respiratória, de distanciamento social e de uso obrigatório de máscaras em transportes públicos, escolas, comércio e espaços fechados (haverá multas), mas também pelos empresários. Será obrigatória a higienização dos espaços e haverá restrições para hotelaria e turismo no verão e até para a ida às praias.

Tudo o resto se verá adiante: quais as lotações das lojas e comércios e até dos transportes. Mas existirão. Este sábado serão conhecidas as regras para a reabertura do comércio na segunda- feira (que poderão ainda não contemplar o que será a partir de junho), e o Governo vai fazer acordo com o comércio e com a associação de cabeleireiros e barbeiros, estabelecendo normas de distanciamento e higienização, e depois também com a restauração. No dia em que abriu algumas atividades, o primeiro-ministro foi deixando vários avisos. Este plano só será possível se não se descurarem os deveres de recolhimento e proteção. Apesar do fim do “estado de emergência, a emergência sanitária não desapareceu”.
É por isso que o teletrabalho, essencial para manter mais pessoas longe de transportes públicos e em circulação, se vai manter obrigatório pelo menos até ao fim de maio. Mesmo depois, tudo funcionará em escalas e com regras estritas.
A responsabilidade é de todos, frisou Costa, para que seja possível a tal “reabertura plena”, dando esperança que o verão terá alguns assomos de normalidade. Costa espera que seja possível fazer férias a partir de junho, mas não sabe “se será possível”, pois não é “futurólogo”. Será uma decisão tomada em cima do risco, na verdade, entre dois riscos: o de descontrolo da pandemia e o de descontrolo da queda da economia.

Mas Costa agora optou por mudar um pouco o discurso. Apesar de garantir que a prioridade é a segurança das pessoas, chegou a hesitar na utilização das palavras, para dizer que, além do problema sanitário, estamos com um problema económico: “Se queremos estancar esta crise social e económica, temos de acelerar (…) o esforço para estancar a pandemia, e isso depende de cada um de nós.”
O que isto significa é que o plano de abertura da economia que começa esta segunda-feira, sob a chancela do estado de calamidade em substituição do estado de emergência, será medido passo a passo, de forma “gradual, progressiva e com todas as cautelas”, tendo em vista “o desconfinamento e a eliminação das limitações que têm sido impostas à vida dos portugueses”. Mas se, e só se, a evolução dos indicadores de saúde continuar numa tendência positiva, desde que não haja uma “inversão”.
Risco político Nestes últimos dois meses, o Governo trabalhou sempre com o horizonte do trimestre, até ao fim de junho. Mariana Vieira da Silva, ministra de Estado e da Presidência, chegou a dizer em entrevista ao Expresso que não era possível fazer “planeamentos de longo prazo”.

Agora, António Costa acena com uma cenoura para que todos, enquanto comunidade, lá cheguemos em segurança. Mas com mais peso sobre os ombros: se a declaração do estado de emergência foi um risco partilhado com o Presidente da República — “O Presidente da República tomou a decisão e o Governo concordou”, disse Costa —, desta vez, a decisão de passar ao estado de calamidade foi tomada pelo Executivo.
O plano de abertura é assumido por Costa, tal como os reveses que poderá ter de fazer. “Este percurso gradual, cauteloso, tem sempre dois sentidos possíveis, o que todos ambicio namos, de seguir em frente e dar o passo seguinte de limitar menos a nossa liberdade ou de dar o passo atrás que ninguém deseja”, muito menos o líder do Executivo.

“Sou a pessoa que menos quer dar um passo atrás. Não terei vergonha de dar um passo atrás para assegurar o bem essencial que é a segurança dos portugueses. Este é um percurso que temos de fazer com confiança e em conjunto”, reforçou. Pôs-se na mão de todos e garante que não está a acautelar o seu futuro político.

“O preço político é o que ninguém quer saber nesta pandemia. Estar a avaliar custos políticos perante o drama sanitário, social e económico que é enfrentar esta pandemia é algo que não pode estar na nossa contabilidade.”

Veremos se o dia 1 de junho traz as boas notícias da abertura. O que é certo é que ,“até lá, temos muito trabalho para fazer”. Depois disso também.

TUDO O QUE VAI MUDAR
NO DESCONFINAMENTO
Com os indicadores da evolução da epidemia e o impacto no SNS a mostrarem uma melhoria sustentada, António Costa anunciou o plano para reabertura dos serviços e da economia. Se tudo correr bem, o “novo normal” fica consumado a 1 de junho.

FASE I (4 de maio)
REGRAS GERAIS
• Confinamento obrigatório para pessoas doentes e em vigilância ativa
• Dever cívico de recolhimento domiciliário
• Proibição de eventos ou ajuntamentos com mais de 10 pessoas
• Lotação máxima de 5 pessoas/100 m2 em espaços fechados
• Funerais: só com a presença de familiares
TRANSPORTES PÚBLICOS
• Lotação de 2/3
• Uso obrigatório de máscara; higienização e limpeza
TRABALHO
• Mantém-se regime preferencial de teletrabalho, sempre que as funções o permitam
SERVIÇOS PÚBLICOS
• Reabrem repartições de Finanças, conservatórias, etc. (exceto Lojas do Cidadão)
• Uso obrigatório de máscara; atendimento só com marcação
COMÉRCIO
• Comércio local: reabrem lojas até 200 m2 e com porta para a rua. Uso obrigatório de máscara por funcionários e clientes
• Cabeleireiros, manicures e similares, só por marcação
• Livrarias e comércio automóvel, independentemente da área
CULTURA
• Bibliotecas e arquivos voltam a abrir portas
• Jardins de monumentos e museus nacionais
DESPORTO
• Prática de desportos individuais ao ar livre — golfe, ténis, jogging, surf
• Sem utilização de balneários nem piscinas

FASE II (18 de maio)
CERIMÓNIAS RELIGIOSAS
• Celebrações em locais de culto com restrições
levantadas a partir do último fim de semana de
maio (30 e 31)
COMÉRCIO E RES TAURAÇÃO
• Reabertura de lojas com porta para a rua até
400 m2 ou partes de lojas até 400 m2 (ou maiores por decisão da autarquia), com uso obrigatório de máscara e funcionamento a partir das 10h
• Reabertura de restaurantes, cafés e pastelarias, com lotação máxima de 50% e encerramento às 23h. As condições específicas de higienização e segurança estão ainda a ser acertadas entre a DGS e a associação do sector
ESCOLAS E EQUIPAMENTOS SOCIAIS
• Recomeço das aulas presenciais para o 11º e 12º anos dos cursos gerais e 2º e 3º anos de cursos profissionais e outras ofertas formativas do secundário. O horário será entre as 10h e as 17h. Uso de máscara obrigatório por alunos, professores e funcionários
• Reabertura de creches (com opção de apoio à família) e equipamentos sociais na área da deficiência
CULTURA
• Museus, monumentos e palácios, galerias de arte e similares voltam a abrir portas
DESPORTO (DIAS 30 E 31)
• Futebol: voltam as competições da 1ª Liga de Futebol e Taça de Portugal. Todos os jogos serão à porta fechada.

FASE III (1 de junho)
TRABALHO
• Teletrabalho parcial, com horários desfasados
ou equipas em espelho
SERVIÇOS PÚBLICOS
• Reabertura das Lojas do Cidadão
• Uso obrigatório de máscara / Atendimento por marcação prévia
COMÉRCIO E RES TAURAÇÃO
• Reabrem lojas com área superior a 400 m2 ou inseridas em centros comerciais, com uso obrigatório de máscara e funcionamento a partir das 10h
ESCOLAS E EQUIPAMENTOS SOCIAIS
• Reabrem creches / pré-escolar / ATL
CULTURA
• Reabertura de cinemas, teatros, auditórios, salas de espetáculos, só com lugares marcados, lotação reduzida e distanciamento físico

ESCOLAS: Um regresso tímido
Sem surpresas, o primeiroministro manteve-se fiel às ideias que apresentou a 9 de abril e confirmou que o regresso às aulas presenciais acontecerá este ano letivo apenas para alunos do 11º e do 12º e para os anos equivalentes nas outras vias de ensino secundário. No caso das creches, a reabertura acontecerá a 18 de maio para as que cumprirem as condições que ainda vão ser emitidas pela Direção-Geral da Saúde. Costa reconhece que alguns pais poderão querer adiar um pouco mais a decisão e admite a manutenção dos apoios às famílias até ao final do mês, no caso de os filhos não irem para as creches. Os jardins de infância e os centros de atividades de tempos livres só reabrem a 1 de junho. Mas o Governo tem de começar a pensar já no próximo ano letivo e numa eventual segunda vaga da pandemia. Costa garantiu novamente que, caso as escolas voltem a fechar, todos os alunos vão ter acesso a um equipamento pessoal e internet que lhes permita ter aulas à distância.

SAÚDE: Mais cirurgias e ajuda dos privados
O Serviço Nacional de Saúde reinicia na segundafeira o atendimento programado. A cirurgia sem internamento será a prioridade e a telessaúde, sobretudo com consultas à distância, a grande aposta. Há muitos doentes sem resposta, e o Governo diz que pedirá ajuda aos privados. Centros de saúde e hospitais passam a escalonar os serviços para evitar concentrações e doentes e profissionais vão ver-se menos, pois a máscara torna-se indispensável, tal como a higienização. Em vários cuidados será necessário o despiste prévio da infeção.

COMÉRCIO
Primeiro passo na rua
As lojas de rua com menos de 200 m2 reabrem segunda-feira, a partir das 10h, juntamente com cabeleireiros, livrarias e comércio automóvel.
Na etapa seguinte, a 18 de maio, reabrem as lojas de rua até 400 m2, assim como a restauração. Se tudo correr como previsto, o último passo é dado a 1 de junho, com a entrada em cena das lojas maiores e dos estabelecimentos em centros comerciais. A norma de cinco pessoas por 100 m2 é para manter, a máscara é obrigatória, a marcação prévia nos cabeleiros também e há mais medidas de segurança definidas entre as associações de cada sector e a DGS que serão anunciadas até lá.

HOTÉIS E VIAGENS: Férias cá dentro
É cedo para saber quando e para onde se poderão voltar a fazer viagens de avião. António Costa não se pronunciou sobre o retomar das viagens, que ficará para a última fase do plano de desconfinamento a partir de 1 de junho, dependendo da reabertura de fronteiras e só se até lá não for preciso “dar um passo atrás”. Já sobre os hotéis, frisou não haver datas de reabertura, porque nunca foi decretado o seu fecho, e o que está a ser discutido são formas de “dar confiança” às pessoas para que os possam frequentar. Há hotéis que continuam a funcionar e várias cadeias planeiam reaberturas faseadas a partir da segunda quinzena de junho e com mais ênfase no verão, recebendo clientes aos poucos. Máscaras, distância social e normas de higiene serão o ‘novo normal’ nas próximas férias, pois como frisou Costa, “enquanto houver covid-19, a nossa vida não vai ser normal”.

RELIGIÃO: Retorno das cerimónias
Depois de dois meses sem missas ou celebrações presenciais, o primeiroministro referiu que “no diálogo entre as confissões religiosas serão adotadas as medidas que permitam que, a partir do fim de semana de 30 e 31 de maio, sejam levantadas as restrições às celebrações comunitárias de qualquer religião”. Funerais, batizados e casamentos voltam a ser permitidos, assim como a realização de missas, com regras ainda a definir.

RESTAURAÇÃO: Reabertura a meio gás
Os restaurantes, cafés ou esplanadas vão abrir portas a 18 de maio mas com algumas condições de segurança. O Governo estipulou que serão obrigados a um limite de 50% da lotação habitual, de modo a existir mais espaço livre entre os clientes. O primeiro-ministro revelou que estão neste momento a ser preparadas medidas de higienização e segurança para serem implementadas nestes estabelecimentos entre a AHRESP, a associação que regula o sector, e a DGS. “É necessário que os clientes tenham confiança na ida a um restaurante para ter um espaço higienizado e com o pessoal protegido”, disse Costa. Estes espaços irão encerrar às 23h.

CULTURA: O pano cai fase a fase
Após reconhecer que a cultura foi “um dos primeiros sectores a encerrar e um dos mais duramente atingidos pelas medidas de contenção”, António Costa anunciou que as bibliotecas e arquivos, assim como os jardins dos museus e monumentos nacionais, reabrem a 4 de maio. Para 18 ficam os museus, palácios, galerias de arte e salas de exposições, e para junho a reabertura, “com lugares marcados, lotação reduzida e distanciamento físico adequado”, dos cinemas, teatros e auditórios. Os festivais de verão ainda estão “em avaliação”.