Quando numa crónica anterior escrevi que os lusodescendentes de Montreal começavam a ocupar gradualmente postos de responsabilidade nos organismos da Comunidade Portuguesa não fugia muito à verdade. Basta olhar à nossa volta, com olhos de ver, para o constatar. Contudo, como em todas as afirmações, há sempre um senão. Passo a explicar:
Ao aprofundar as minhas pesquisas para a elaboração da Antologia Literária Satúrnia, por mais esforços que desenvolvesse não consegui encontrar um único lusodescendente que se enquadrasse nos critérios de selecção que, confesso, não eram dos mais exigentes. Para aqueles que estão menos a par do assunto, relembro:
“Esta antologia tem como único critério de selecção os autores estarem publicados em livro, ou a publicar no decorrer do ano 2020, cujo conteúdo possa ser considerado uma obra literária. Incluímos, ainda alguns autores de peças de teatro que, embora não tenham sido publicadas, foram encenadas e mereceram grande destaque.”
Seria possível que não encontrasse ninguém? Mesmo que fosse a escrever nas línguas francesa ou inglesa? Mas era a pura das verdades, por mais decepcionante que se apresentasse a situação.
Nas outras províncias do Canadá já temos um bom punhado de escritores das gerações mais novas, alguns já de renome, a escrever as suas obras preferencialmente em inglês, que publicam, regularmente, não só em livros mas também em revistas e jornais canadianos. Haverá razões socioculturais e linguísticas que influenciam e causam esta disparidade entre o Québec e o restante Canadá?
Não me cabe a mim enveredar por esse tipo de análises até porque não tenho as competências para o fazer. Outros estudiosos apetrechados com melhores ferramentas académicas irão, no futuro, certamente, atirar-se a essa tarefa e esmiuçar causas e consequências.
Contudo, nem tudo está perdido, aqui e ali, começam a surgir sinais de mudança e há, embora ténue, despertar deste torpor com o surgimento de alguns autores, ainda que não estejam englobados no espectro literário, começam a produzir obras muito interessantes e afins.
Assim, passo a citar alguns nomes mais significativos, com livros publicados:
Belmira Perpétua – Les Portugais 50 ans à Montréal, 2004
Rosa Pires – Ne sommes-nous pas québécoises? 2019
Sophie Reis – Le guide des Parents Voyageurs, 2018
Victoria Fernandes – The genuine you, 2006
Fica a esperança de que daqui a alguns anos, quando alguém decidir compilar uma Antologia Literária mais actualizada, os autores lusodescendentes do Québec possam ter maior visibilidade, a confirmar que a comunidade portuguesa está rejuvenescida culturalmente e a transbordar de seiva criativa.
E como as ideias são como as cerejas, vêm umas encadeadas nas outras, termino esta crónica com uma sugestão que não é inédita mas que é sempre pertinente.
Talvez fosse oportuno que os jornais comunitários criassem uma secção onde os mais novos, com maior fluência e capacidade de comunicação em francês, se pudessem expressar.
Acredito que seria uma lufada de ar fresco renovadora que iria agitar as águas.
Texto escrito por Manuel Carvalho