Agora as minhas crónicas convergem para esta tema, como os causais dos rios correm para a vastidão do mar. Por mais voltas e reviravoltas que dê, a problemática do futuro dos lusodescendentes nestas terras emerge na minha mente, dominante, arreda, varre todos os outros possíveis e imaginários assuntos.
Atento, procuro adivinhar, auscultar as vozes que lhes sobem da alma, detectar os sinais de portugalidade, por vezes quase inaudíveis, mas que outras vezes que jorram inesperadamente, provindos de nascentes que pareciam esgotadas.
Estas questões da identidade, fazem-me reflectir nos exemplos com que deparamos um pouco por todo o mundo da diáspora. Veja-se o que acontece aqui mesmo ao lado, nos Estados Unidos, onde os grande número de lusodescendentes da quarta e quinta gerações, para não ir mais longe, com antepassados, muitos deles já radicados no país desde os séculos dezoito e dezanove, sentem, subitamente, o desejo, a fome, de se reencontrarem com as suas raízes ancestrais. É como se a brasa adormecida sob um manto espesso de cinzas, subitamente reganhasse forças, e irrompesse em labaredas imparáveis.
Ainda recuando mais no tempo e na História, assistimos presentemente à movimentação de muitos judeus que procuram adquirir a nacionalidade portuguesa tantos séculos depois dos seus antepassados terem sido expulsos de Portugal. O que será que os move? Que forças serão essas que se soltam irresistíveis e que os conduzem a esta busca identitária?
Intrigado por todas as questões, que se acumulavam na minha cabeça, andei nos últimos dias a folhear o meu livro “Á beira-Main” e cheguei rapidamente à conclusão que é uma obra inacabada, à espera de novas crónicas que foquem, com mais clareza, esta temática. Aqui vos deixo, a primeira que me ocorreu esboçar:
“Ali o cruzamento da St-Laurent com a Rachel está um braseiro. Sabe-se lá de onde é que, assim num repente, surgiu aquele mar de gente em tamanha berraria, as bandeiras portuguesas a esvoaçar sobre as cabeças, como enormes asas verde-rubras.
O Manuel Transmontano andara toda a tarde a passear com o neto pela montanha e no regresso a casa foram engolidos pela multidão em delírio.
Não era preciso ser muito esperto para adivinhar que a selecção portuguesa de futebol vencera mais um jogo. E como já era norma, dos bares circundantes desaguou uma multidão ondulante para o mar encrespado da rua. As bandeiras, cada vez mais frenéticas, envolvem os corpos e as almas.
Ninguém sabe explicar que caldeirada de emoções leva aquele mar de juventude a proclamar, em tamanha algazarra, a sua portugalidade aos quatro ventos. Insondáveis abismos da alma.
Com o neto encavalitado nos ombros, o Manuel Transmontano, ele que não é nada de bolas, deixou-se contagiar pela euforia. Um rio transbordante que lhe marulhava no peito, galgou o estreito da garganta, veio esbarrar contra os lábios ainda reticentes.
Por fim, rendeu-se, a medo a princípio, depois sem resistências, abriu as comportas e juntou a sua rija voz à vozearia:
– Portugal, Portugal, Portugal.
E para seu maior espanto, o neto, lá do alto, desatou também a berrar a plenos pulmões:
– Portugal, Portugal, Portugal.”
Srtigo de Manuel Carvalho