Dediquei a minha mais recente obra, a Antologia Literária Satúrnia, “Aos autores luso-canadianos que, ao longo dos anos, semearam as suas emoções e memórias por jornais, revistas e livros”. Foi, de certa forma, uma homenagem, mais do que merecida, a todos os homens e mulheres que deixaram o torrão natal, em busca duma vida melhor.
Como escrevi num outro texto, em contexto e lugar diferentes, à medida que as primeiras levadas de pioneiros chegavam, não havia tempo a perder com veleidades artísticas e literárias, a rudeza da vida tinha outras exigências mais prementes: “Esmagados pela imensidão das terras e dos sonhos por desbravar mas também cheios de coragem e urgências, engoliram os medos, arregaçaram as mangas e fazendo das tripas coração, atiraram-se de peito aberto aos cornos da vida.
Embrenharam-se pelas florestas enregeladas do Labrador, fecundaram os trigais das grandes planícies do Oeste, colheram tomates e morangos nos campos do Sul, mourejei nas barragens do Norte, ergueram os arranha-céus das grandes cidades, rasgaram estradas e caminhos-de-ferro, desceram ao bojo das minas, zelaram pelas mansões dos ricos, tornaram-se comerciante, restauradores, experimentaram artes mil. E certa alvorada, olhando-se no espelho da memória, viram, com olhos de ver, as mãos calejadas e os sulcos profundos que lhes rasgam o rosto, e compreenderam, com uma ponta de orgulho, que tinham conquistado o direito inegável de também chamarem seu a este país que, com tanto esforço, ajudaram a erguer.”
Por fim, alcançada maior estabilidade, chegava o tempo de transmitir aos vindouros, em herança, os sentimentos que lhes trespassavam a alma e assoberbavam a mente. Naturalmente, surgiram os primeiros jornais que, para além de canalizarem tão abundante caudal de desabafos, também funcionavam como importante elo de ligação com a mátria nunca esquecida, nos tempos em que as novas tecnologias ainda não tinham invadido o mundo.
O primeiro jornal a ver a luz do dia foi o Luso-Canadiano que no primeiro número, publicado em Outubro de 1958, sublinhava a importância duma “integração mais perfeita do imigrante português na vida canadiana” e pugnava por melhores condições de vida para os nossos pioneiros tantas vezes explorados.
Poucos anos depois, a 25 de Abril de 1961, surgiu o jornal A Voz de Portugal, que dentro em breve irá comemorar 60 anos de existência, e que se ufana, merecidamente, de ser o mais antigo jornal de língua portuguesa no Canadá.
Posteriormente, vários foram os jornais e as revistas, uns de maior fôlego, outros mais modestos, que nasceram ao longo dos anos, na ânsia de perpetuar as aventuras e desventuras da Comunidade. A grande maioria desapareceu gradualmente, engolidos pela voragem da vida e das circunstâncias mas todos eles deixaram, mais ou menos impressa, a marca da coragem e do espírito visionário e idealista dos seus obreiros.
Presentemente, em Montreal restam dois jornais, o LusoPresse e o decano A Voz de Portugal. De conteúdo bastante distinto, mas de certa forma complementares, reflectem a variedade das cores económicas, sociais e culturais da comunidade. Cumpre-nos acarinhá-los e zelar pela sua sobrevivência, para podermos continuar a usufruir do privilégio de colher os frutos da sementeira das nossas emoções e experiências nos anos vindouros. Para que os nossos comerciantes, restauradores, agentes imobiliários, e outros profissionais e empresas possam continuar a publicitar os seus serviços e produtos. Para que as nossas associações e colectividades possam continuar a anunciar as suas actividades. Para que as entidades oficiais portuguesas e canadianas possam continuar a divulgar os seus comunicados.
Tudo em proveito duma comunidade cada dia mais informada, forte, coesa e dinâmica, merecedora do reconhecimento e respeito deste grande país que tão generosamente nos acolheu.
Texto de Manuel Carvalho