Estas eleições legislativas de 2019 deram vitórias, derrotas e trouxeram algumas surpresas ao leque de partidos que terá assento parlamentar. À hora que escrevo ainda há quatro lugares por distribuir, referentes à rede consular ou círculo eleitoral estrangeiro. No entanto não haverá alterações significativas que possam alterar o quadro político que se avizinha.
No que toca a vencedores, infelizmente em primeiro lugar, temos a abstenção. O aumento de abstenção relativamente às últimas eleições legislativas de 2015 (45,5% para 43% em 2015) devem provocar uma reflexão profunda, seguida de um plano de ação para evitar que a abstenção distorça de tal forma os resultados que coloque desequilíbrios de representatividade na assembleia da república. Ao contrário do que já ouvi e li, antes de mais deve fazer-se um estudo apurado das suas causas. Faz-se tantas sondagens, porque não fazer um estudo similar junto dos abstencionistas para verificar quais as causas e a partir daí tomar-se medidas concretas? A abstenção é sem dúvida a vencedora que nem partidos, nem o próprio Presidente da República, não conseguiram minimizar. O segundo vencedor é sem dúvida o PS e António Costa. Com um discurso simples – devolução de rendimentos e contas certas – conseguiu cativar os portugueses, mesmo aqueles que tradicionalmente não votam PS mas que face à realidade, ainda que muito escamoteada, se vem revelando da governação socialista, em parceria com o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista (PCP). A combinação de um discurso de esquerda com uma governação de centro-direita revelou-se frutífera pois permitiu cumprir compromissos internacionais reduzindo o défice ao mesmo tempo que se subia pensões, salários e todas as benesses que haviam sido reduzidas ou mesmo eliminadas desde o tempo da troika. Desta forma esvaziou os argumentos do Partido Social-Democrata (PSD) e do Centro Democrático e Social (CDS) que acabaram por sofrer. E terceiro lugar dos vencedores colocaria o Partido das Pessoas, Animais e Natureza – PAN (de 1 em 2015 para 4 deputados), o Chega, Iniciativa Liberal e Livre, estes três com 1 deputado. Os partidos pequenos são assim vencedores pois conseguiram apanhar cerca de 350 mil votos, excluindo os outros partidos pequenos que não conseguiram eleger deputados.
Do lado dos derrotados temos o CDS em primeiro. O seu resultado eleitoral foi deveras fraco, facto reconhecido pela sua líder, Assunção Cristas, que apresentou de imediato a sua demissão. Aqui fica o interessante facto de que Cristas, muito provavelmente por associarem-na à difícil recuperação imposta pela troika, mas cujos resultados trazem alguma bonança que se vive no momento, ficou com a sua imagem deteriorada e o eleitorado não perdoou. O que é certo é que o resultado é deveras fraco, ficando mesmo sobre ameaça de ser ultrapassado pelo PAN. O PSD ficaria em segundo dos derrotados, não porque haja caras ligadas diretamente ao último governo PSD-CDS, mas acima de tudo porque Rui Rio nunca gerou consenso interno ou externo. Até à campanha eleitoral, as inúmeras hesitações ou mesmo ausências face a questões importantes levantou dúvidas, mesmo quando Rio intervinha já seria tarde demais. Na campanha foi mais aguerrido, sobretudo nos debates, onde um apático António Costa parecia confortável com qualquer desfecho das eleições. Mas não bastou, pois o que ficava era as contendas internas do PSD e não as soluções do seu líder para o país. Tanto o PSD como o CDS precisam de se reinventar; as estruturas antigas por vezes têm dificuldades em se adaptar e o surgimento de pequenos partidos que captaram votos e alguns lugares na assembleia é consequência da vontade de já alguns portugueses quererem algo de novo e diferente, para além da eterna dicotomia esquerda-direita e dos respetivos discursos obsoletos. Aqui cabe o PCP como terceiro derrotado. Com a competição do BE, o seu discurso acaba por ser esvaziado e o seu espaço de progressão diminuído ou mesmo eliminado. Mas será que o PCP quer inovar? Não podemos ignorar que PCP e BE conseguem os razoáveis 16% dos votos, tendo em conta que a esquerda, pelo menos a nível europeu, desapareceu ou foi absorvida pelo centro-esquerda. Como representantes da ideologia comunista, serão talvez um dos últimos baluartes atualmente que conseguem em conjunto uma representação significativa numa assembleia nacional. É notório que a velha guarda comunista mantém a sua ligação ao PCP, mas o BE conquista facilmente eleitorado jovem, já nascido depois da revolução, idealista e utópicos que embalados pela natureza também jovem e dinâmica do BE, se sentem mais atraídos por este. Jerónimo de Sousa, atual líder do PCP, talvez tenha os dias contados. Tudo vai depender do comité central do PCP, da análise à estratégia seguida até ao momento e principalmente para o futuro governo a formar pelo PS. Deste governo que termina funções, entre o BE e o PCP, este último saiu prejudicado na sua imagem junto do eleitorado. Não considero uma derrota catastrófica, contudo sou de opinião, principalmente depois das palavras de Jerónimo de Sousa, que o apoio ao PS no próximo governo já não voltará a ser como dantes. Como nota, e em associação com o PCP, temos os Verdes que vêm perdendo terreno para o PAN. Recordo-me em tempos que já lá vão ter um professor que dizia que os Verdes eram como as melancias, verdes por fora mas vermelhos por dentro… será que a associação contínua com o PCP prejudicou-os? Penso que sim, pois o PAN recolheu votos de eleitores ecologicamente conscientes mas que não se identificam necessariamente com o vincado cariz socialista-comunista do PCP.
Nova geringonça?
Tenho a impressão que é a primeira vez que escrevo esta palavra para designar a solução governativa até ao presente entre PS, BE e PCP-PEV. Nunca apreciei esta expressão, não por afiliação ou simpatia partidária dos destinatários ou dos inventores da expressão, mas apenas porque o excessivo no caricato por vezes nos distrai da realidade que pode ser grave. A união destes três partidos parecia quase impensável, depois de termos vivido a chamada terceira via que visava conciliar o socialismo com o capitalismo, opondo-se ao determinismo fundamental de Marx de destruir o capitalismo. Mas a terceira via esfumou-se de forma súbita, não só aqui como em outros países; assistimos então à união de partidos como o PS, de índole mais centrista, buscar parceiros à sua esquerda mesmo quando estes defendem ideologias e ações que contrariam as suas mais elementares diretivas, propostas e programas de governo, tão irreconciliáveis que são à primeira vista que compreende-se porque o nome geringonça pegou. O próprio António Costa aderiu a ele! E agora, perguntar-se-á o cidadão português? Conhecendo António Costa e a sua forma de estar, ele vai tentar soluções que não o aprisionem nem o deixem sem suporte na assembleia. A negociação será difícil, mesmo tendo o BE oferecendo-se de todas as formas e feitios para suportar o PS. Tanto o BE como o PS farão força dos seus resultados, e no seguimento de Costa manifestar incluir o PAN e o Livre como parceiros de uma coligação ou acordo mais alargado, mostra que ele pretende assegurar a sua liberdade de escolha, pois com mais parceiros, se um falha, outro poderá substituir e assim manter o governo estável. Penso que a solução será híbrida, isto é, com acordos caso a caso consoante o partido, a legislação, a situação económica e social, digamos um misto entre entendimentos firmes e entendimentos de geometria variável. Marcelo Rebelo de Sousa já avisou que vai insistir para uma solução estável. Estarão o PS e seus parceiros de esquerda, incluindo partidos mais pequenos dispostos a dar uma mão? Será que o PSD poderá dar uma mão em alguns casos, ou mesmo o CDS? Certo é o PS conquistou o direito a um menu de associados, a questão estará em saber qual a fatura a pagar por tal, principalmente por todos os portugueses.
Texto de Jorge Correia