Como voltei há dias a referir, tive a oportunidade de assegurar a um velho amigo meu, infelizmente já falecido, bem mais novo que eu, que os Estados Unidos nunca aceitariam perder a liderança do mundo, para tal deitando mão do recurso à guerra se necessário. O meu velho amigo, para seu mal, já não pôde assistir à materialização daquela minha previsão, de resto simples de percecionar.
Existem hoje três fatores que forçam os Estados Unidos a prosseguir o que se está a ver, tentando levar a Rússia a iniciar um conflito militar, com o sonho de conseguir, por esta via, obter uma qualquer vantagem. Vejamos, então, o que, num certo sentido, já pude explicar em textos anteriores.
Em primeiro lugar, os Estados Unidos têm à sua frente três fatores adversariantes: a União Europeia, essencialmente uma estrutura económica, sem valor militar e completamente sob controlo norte-americano desde o final da Segunda Guerra Mundial. É, num certo sentido, uma variável neutral, suscetível de seguir o caminho que seja o do interesse dos Estados Unidos.
Em segundo lugar, a Rússia de hoje não é um poder forte no plano económico, mas é-o no domínio militar, mormente no plano do armamento nuclear, em completa paridade com os Estados Unidos. Sobretudo, na capacidade de fazer desaparecer o Planeta.
E, em terceiro lugar, a República Popular da China, que hoje já ultrapassou os Estados Unidos nos domínios económico e tecnológico, mas que não é (ainda) uma superpotência militar, situando-se a anos-luz, no domínio das armas nucleares, dos Estados Unidos e da Rússia.
Estas realidades têm lugar quando perto de metade dos norte-americanos já descobriu a fantástica mentira, em termos de representatividade, que é, de facto, a dita democracia norte-americana. Uma dita democracia onde os cidadãos norte-americanos só têm direito a votar se poderes diversos deixarem. Mormente os de natureza racial. Perante este cenário, os Estados Unidos, já desde há muito, deitaram-se à preocupação em face da China, com os seus poderes económico e tecnológico. A Rússia, a uma primeira vista, era um problema resolvido, embora tal só se tornasse uma realidade se os Estados Unidos conseguissem, com a sua OTAN, fechar o cerco à Rússia, assim culminando a sistemática violação do que, ingenuamente, Gorbachev estabelecera, em termos honrosos, com George Bush. Este fechamento do cerco à Rússia pressupunha a entrada da Ucrânia para a OTAN. É contra este fechamento que se está a dar a reação russa. E foi para o conseguir que os Estados Unidos e diversos Estados da União Europeia se deitaram a apoiar o golpe de Estado na Ucrânia, a fim de derrubar o Presidente que havia sido legítima e democraticamente eleito.
Em face destas realidades, colocou-se aos Estados Unidos esta dúvida: que fazer? Talvez se tenha pensado poder começar pela China, para tal deitando mão do novo coronavírus, mas a verdade é que o Governo da China, conhecendo cabalmente que as instituições internacionais se situam todas no Ocidente, sendo por este comandadas, sempre se recusou a cooperar numa farsa. Foi neste ponto que os Estados Unidos se determinaram a operar uma política em duas fases. A primeira fase passou a ser a tentativa de fazer entrar a Ucrânia para a OTAN, deixando Moscovo a oito minutos dos mísseis norte-americanos. No fundo, a neutralização militar da Rússia.
A segunda fase seria, então, o cerco marítimo à China, para tal usando a nova estrutura criada no Pacífico, tentando aliciar a Rússia para uma unidade em face do perigo histórico da China. No fundo, conseguir a neutralização da Rússia no grande conflito que viria a ter lugar entre o Ocidente – os Estados Unidos, claro está – e a China. No entretanto, a ideia de fazer entrar a Ucrânia na OTAN continuava na ordem do dia, qual ponta de lança. Se entrasse, fechava-se o cerco à Rússia, e para não entrar forçar-se-ia a Rússia a assumir a posição de força que se vem vendo. A colaboração, acéfala ou cobarde, da grande comunicação social europeia, de parceria com a presença de pigmeus da política na Europa de hoje, garantiriam uma colaboração, no mínimo, pacífica: alinhadinhos e obedientes.
Como pude já escrever, é agora percetível essa ideia de operar alterações na estrutura do Conselho de Segurança, mas também o fim da própria posse de armas nucleares, que é o que confere a paridade entre a Rússia e os Estados Unidos… São os cavalos de batalha de Guterres e de Francisco. Seria o triunfo do poder norte-americano, que é hoje, também, dirigido por um católico. Um católico para o qual Francisco impôs que se não aplicassem as limitações inerentes aos defensores do aborto, do casamento homossexual e da eutanásia. Sem ser por acaso, o evangélico Bolsonaro lá se determinou a visitar o católico ortodoxo Vladimir Putin…
Tal como em tempos nos expôs Carlos Santos Pereira sobre a guerra na Jugoslávia, posta em andamento pela ação da Alemanha e da Igreja Católica, também hoje a guerra no mundo está a receber, sempre em nome da defesa da Paz, amplo apoio de líderes católicos mundiais. E de onde vêm os riscos? Ah, da Rússia, católica ortodoxa, mas por igual da China, ainda de portas abertas a poder receber uma das religiões históricas… É caso para repetir o que em tempos Vítor Gaspar disse para um jornalista: do que eu disse, o que é que não percebe?