Rua Principal do ‘Little Portugal’ em Toronto muda de nome e reescreve a história

A rua que atravessa o Little Portugal, em Toronto, vai mudar de nome devido à ligação da designação à escravatura, uma decisão que ‘mexe’ com muitos emigrantes que destacam o simbolismo que a Dundas Street tem para os portugueses.
“A Dundas era basicamente a rua mãe de todos os portugueses”, explicou à Lusa o empresário luso-canadiano Miguel da Silva, no Canadá desde 1985, que disse compreender a decisão das autoridades de mudar o nome da artéria e de todas as toponímias relacionadas com Henry Dundas. A rua, a mais famosa do Little Portugal, a zona dos portugueses em Toronto, homenageia a memória de um político escocês do século XVIII, famoso por atrasar, em 1793, a abolição da escravatura transatlântica por 15 anos, condenando mais de 600 mil pessoas a mais uma década de escravatura. Segundo Miguel Silva, “poucos conheciam o significado” de Dundas. A rua inclui 23 quilómetros ao longo de Toronto, existem mais de 730 placas com aquela designação, e a mudança de morada afeta a vida de 97 mil pessoas e de 4.500 pequenas e médias empresas. Em julho, deste ano, o executivo municipal decidiu aprovar a retirada do nome Dundas, uma decisão que afeta aquela rua, praças, parques e duas estações de metro. “Isto não é a primeira vez que acontece no Canadá. Durante a Primeira Guerra Mundial tínhamos uma cidade chamada Berlim e hoje é conhecida por Kitchener. Nessa altura foi a mudança completa do nome de uma cidade, que por razões óbvias, foi alterado o nome. Não é algo inédito no Canadá”, começou por afirmar à agência Lusa Ana Bailão.
A vice-presidente da Câmara Municipal de Toronto e também vereadora da Davenport, explicou que a rua Dundas “é enorme, populosa, muito conhecida”, sendo que este processo de alteração do nome “vai demorar algum tempo” e terão de ser escolhidas novas designações, muitas vezes em consultas populares locais.
Em junho, um relatório interno da autarquia recomendou a eliminação do nome Dundas, após uma petição assinada por mais de 14 mil pessoas, lançada em 2020, na sequência dos protestos contra o racismo que ocorreram globalmente. Henry Dandas “sugeriu que a abolição de escravatura fosse feita gradualmente, pois tinha preocupações no que aconteceria aquelas pessoas, que se tinham tornado escravos”, sublinhou a historiadora canadiana Rosemary Sadlier. O também primeiro visconde de Melville e secretário de Estado para a Guerra do Império Britânico tentou retomar conta do Haiti e Granada, mas sem sucesso. “40 mil militares britânicos perderam a vida nesse esforço, ou ficaram incapacitados. Então ele comprou 13.400 escravos africanos para integrarem o exército britânico nas caraíbas, que fez dos ingleses os maiores compradores de escravos do mundo”, realçou a especialista em história afro-canadiana.
No entanto, por outro lado, “muitos dos nomes atribuídos às ruas na cidade de Toronto têm uma ligação a uma família influente à comercialização de escravos”.
“De uma forma, opôs-se ao fim da escravatura em solo britânico, mas não se importou de utilizar os escravos africanos para contribuírem na economia e no exército britânica”, destacou Rosemary Sadlier.
A Associação Comercial e Serviços do Little Portugal na Dundas também terá de alterar a sua designação, passando a chamar-se de ´Little Portugal in Toronto BIA´, algo que Anabela Taborda, a presidente daquela organização, disse já estar preparada.
“Já estávamos preparados para tal. Estou solidária com todas as pessoas afetadas por Henry Dundas e mostro-me favorável à mudança de nome”, frisou.
Foi criada pelo município canadiano uma comissão consultiva, integrando-a líderes comunitários de várias etnias, empresários e dirigentes associativos, incluindo Anabela Taborda, com o objetivo de propor uma nova designação à rua, até ao segundo trimestre de 2022. “Temos de olhar para nós portugueses, com a situação da Ponte 25 de Abril, que era denominada por Ponte Salazar. Muitas pessoas sentiram-se magoadas pelo antigo ditador. Estamos na mesma situação, temos todos de viver em conjunto e se alguém estiver a sofre, temos de dar a mão e ajudar”, acrescentou.