Antes de acontecer o vinte cinco de Abril de 1974, éramos o povo mais humilde, mais hospitaleiro, e mais servidor, que existia no planeta terra. Estou convencido que se houvesse trampa na Lua, nós estávamos lá para a limpar. Porquê?
Porque não tínhamos as rédeas do nosso destino! Éramos tratados como um rebanho de ovelhas, e nem mé… podíamos dizer! Uma grande maioria sabia que existia, só porque respirava. Vivíamos num país que aos humildes não dava ouvidos, que não ouvia o clamor dos esquecidos. E a elite sem Deus era quem dominava. Por ausência de códigos corretos, as leis deste país eram descartáveis. Existia um grande número de analfabetos e, uma grande multidão de miseráveis. Víamos a beleza em ambientes inóspitos, e fazíamos poesia com a nossa própria miséria.
Com a fé nós semeávamos coragem no território do medo, e semeávamos sensibilidade no solo da intolerância, e assim aprendemos a transitar na terra do ódio e da rejeição, onde a confiança não reinava: éramos um povo tão resignado e obediente, que quase tratávamos o nosso vizinho por excelência, sempre na dúvida que este pertencesse à pide.
Todo este pesadelo acabou, quando surgiu o vinte cinco de Abril, de 1974. Este dia foi definitivamente marcante na vida de tanta gente!… Isto foi a notícia mais deslumbrante, mais fabulosa, e, espetacular, a nível de todo o planeta. Jorrou tinta em todos os jornais do Mundo, os mídia não falavam de outra coisa, creio que em quarenta e oito anos Portugal nunca tinha sido tão falado a nível internacional como neste dia. Isto foi algo de glorioso, e de grande significado que aconteceu na vida de um povo. Este golpe de estado tão espetacular, foi organizado por militares derrubando assim o sistema vigente, sem derramar uma gota de sangue. Foi algo do nunca visto, chamaram-lhe assim a revolta dos cravos. Não há duvida, que quando as flores falam, as armas emudecem, os canhões abrandam a voz, e terminam de boca fechada. Dando assim paz à turbulência, alegria à tristeza e liberdade aos oprimidos. Podendo assim expandir-se, à boca cheia, aquele grito legítimo de um povo oprimido que estava sufocado há quarenta oito anos, sob as garras do fascismo. Numa segunda etapa livraram-nos, a mim e aos meus camaradas de uma morte certa, naquela guerra que já estava considerada perdida. Refiro-me sobretudo à Guiné, pelas outras colónias não posso falar, mas segundo as estatísticas, era a Guiné que se encontrava num período mais crucial.
Devido ao facto que o inimigo além de ser ajudado por várias potências estrangeiras, encontrava-se já com material de guerra muito superior ao nosso, e muito mais sofisticado. Para uma guerra que começou com catanas, ultimamente, já nos deitavam aviões abaixo. Claro que dias antes de se dar o vinte cinco de Abril, o moral das nossas tropas já andava muito por baixo, já poucos soldados acreditavam no regresso à Pátria, os ataques do inimigo multiplicavam-se cada vez mais, eram só tragédias atrás de tragédias.
E nós já não víamos aquela luz, que normalmente se vê à saída de um túnel. Quando soubemos do golpe de estado que se deu em Portugal, e quando a música e a canção da Grândola vila morena chegou até nós, creio que foi o dia mais bonito da minha vida. Nunca vi tantas lágrimas de alegria brotarem nos olhos de tanta gente ao mesmo tempo, abraçámo-nos todos uns aos outros , aquilo foi espetacular, naquele dia, já não haviam oficiais, éramos todos soldados ao mesmo nível dentro do mesmo plano humano. Todos nós estávamos conscientes, se não era aquele golpe de estado, poucos se salvariam daquele labirinto onde estávamos metidos. Por isso enquanto viver, nada mais me resta que agradecer às forças armadas, e dar brados de vitória, a essa junta que ficará para sempre imortal nos elos da nossa história.