AS CARTAS PORTUGUESAS

Ghosting é um novo termo escolhido em 2015 para fazer parte do dicionário Collins da língua inglesa e designa o comportamento de uma pessoa que ao terminar um relacionamento sem dar explicações, também deixa de dar notícias ou responder mensagens ou ligações. O curioso desse termo é que apesar de moderno, representa uma prática mais antiga do que podemos imaginar. Talvez as “Cartas Portuguesas” sejam uma das primeiras manifestações da literatura a tratar do assunto.
A existência da obra já é naturalmente polêmica, pois trata-se do compilado de cinco cartas escritas pela freira Mariana Alcoforado e reunidas por Gabriel Joseph de Lavergne. Apesar da existência real da jovem que virou Abadessa do Convento de Beja e da veracidade comprovada do relacionamento que teve com o jovem oficial francês, existe uma discussão sobre a real autoria das cartas; se pelas mãos abandonadas da jovial freira ou se foram criadas ou alteradas pelo Conde de Guilleragues, título do autor, que também era jornalista e diplomata francês.
Publicadas em 1669, “Cartas Portuguesas” aparecem com uma das obras mais importantes do romantismo português e se passam durante Guerra da Restauração. Neste momento histórico, Portugal recebeu ajuda do exército real francês, promovendo o encontro entre a jovem Mariane e o oficial Noël Bouton de Chamilly,
Diz-se que a história de amor proibida fez sucesso imediato e alvoroçou a sociedade francesa na época de seu lançamento, apesar do nome da autora ter sido ‘omitido’ ou preservado até o início do século XIX. Trata-se de uma obra-prima da literatura universal e patrimônio preciso da cidade de Beja. No Convento Nossa Senhora da Conceição, atualmente funciona o Museu Regional de Beja e na região acontecem anualmente o FESTIVAL B, sendo que nos anos pares são abordados temas como “Canto, Fado e Petiscos” e nos anos ímpares “Beja, cidade de Mariana Alcoforado.”
As Cartas Portuguesas viraram filme lançado em 2015 por Bruno François-Boucher com Ségolène Point no papel da Sóror Mariana.
Em 1946, o famoso pintor Henri Matisse, encantado pelos fortes sentimentos da autora original, lança um livro com 15 litografias originais com tiragem de 270 cópias autografadas, uma verdadeira raridade.
A história da Irmã Mariana ganhou até mesmo uma adaptação em banda desenhada pelo artista Paulo Monteiro com a finalidade de ser distribuída gratuitamente aos alunos das escolas da região de Beja, em 2019.
O compositor João Guilherme Ripper adaptou As Cartas Portuguesas em forma de ópera, apresentada pela primeira vez no dia 28 de agosto de 2020, protagonizada pela soprano Camila Titinger e realizada pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo.
Além da reconhecida beleza das cartas é possível analisar as diversas questões sociais presentes na obra. A condição de gênero, o posicionamento social, a imposição patriarcal e a falta de liberdade sobre a escolha do destino das mulheres. Gerando assim outra importante obra da literatura portuguesa moderna: Novas Cartas Portuguesas que “pega” o nome emprestado do clássico da literatura portuguesa é uma obra publicada conjuntamente pelas escritoras lusas Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa em 1972.
A obra que foi censurada, teve seus textos considerados “imorais” e “pornográficos” pois retratavam mulheres livres, que questionam a sua identidade e expressam o desejo de terem acesso a novas ideias sociais e religiosas, em ensaios de conquistas de liberdade e respeito após um severo período de fascismo do regime salazarista.
A própria existência das cartas, o questionamento de suas autorias, as obras derivadas que surgiram ao redor do tema, fortalecem com um dos primeiros e mais potentes conteúdo intermidiático português que, em pleno século XXI continua atual e polêmico.