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LA VOIX DU PORTUGAL | MARDI LE 10 AOÛT, 2021 | 9 CRÓNICA
As Ausências que nos Perseguem
TOMÁS SOUSA FERREIRA nosso dia a dia. A ausência dos afetos e dos sentires, devida, reverente e solene homenagem,
Jornalista nos Açores A ausência da previsibilidade, da ro- só possíveis pela presença e a convi- tem vindo a avolumar o desamparo e o
tina, do hábito, do ritual e do costume vência física, e que, apesar de todos os desalento daqueles que, infelizmente,
á mais de um ano a esta parte, tem tido em nós um evidente impacto, tão diversos, completos e plurais con- experienciam tamanho tormento.
qualquer que fosse a perspe-
Htiva e expetativa de futuro de
todos e de cada um de nós, ninguém,
nem na mais criativa hipótese, equa-
cionaria a realidade que estamos a vi-
ver e a experienciar, já há algum tem-
po, e que teima em nos acompanhar.
Recuando para março de 2020, já com
a Covid-19 a alastrar-se pela Europa,
nem o mais pessimista dos cenários
preveria a dura e duradoura realidade
que agora atravessamos, ainda para
AS
O: FERNANDO RESENDES FOT
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O: JOÃO FREIT
mais numa sociedade ponderada que FOTO: FERNANDO RESENDES FOTO: JOÃO FREITAS
se quer da ciência, da tecnologia e do alcançando diariamente todas as faixas tatos digitais que estão atualmente à Enfim, poder-se-ia elencar muitas
digital e que se diz moderna e evoluí- etárias, forçando-nos a abdicar do con- nossa disposição, tem se revelado acu- mais ausências, na certeza que seria
da, mas que, evidentemente, não está, trolo sobre alguns dos nossos direitos e tilantemente degradadora, até porque, impossível referi-las todas. Lá está, as
de todo, preparada e à altura do desafio liberdades, a lidar com o inesperado, a toda e qualquer interação virtual fica, ausências são pessoais e intransmissí-
com o qual se constatou e ainda enfren- programar apenas a curto prazo, e a vi- em muito, aquém da real experiência veis pois cada qual tem e sente as suas
ta. ver, mais do que nunca, um dia de cada que é reencontrar, à mesa, um amigo de modo muito particular e íntimo.
Esta realidade, embora não seja inau- vez. Assim, ambicionando não perder ou, inesperadamente, conhecer alguém Acredita-se que, moral e eticamente,
dita e já se tenha verificado em anterio- a esperança no futuro, vivemos hoje novo. como em qualquer momento de crise,
res momentos da nossa história, ainda precavidos e atentos para que haja um A ausência irrecuperável que decorre vem ao de cima o melhor e o pior do ser
que noutros contextos civilizacionais, amanhã melhor. do tempo ido, que só flui num senti- humano, contudo, particularmente nas
não fazia parte do imaginário de nin- A ausência de informação clara, ade- do, e das oportunidades que a vida em circunstâncias atuais, é vital manter-se
guém, a não ser num guião de cinema quada, plural e fidedigna, devidamente espera não nos permite agarrar ou so- acesa a chama da esperança e efetuar-se
de ficção científica em que se recriasse comunicada e que privilegie a qualida- nhar com, tem levado, inevitavelmente, uma ponderada gestão de expectativas.
uma ideia de um possível fim do mun- de em detrimento da quantidade, tem a muitos “e se”. Afinal de contas, quem de nós se en-
do. conduzido a um consensual descrédito A ausência irreparável e incurável dos contrava preparado para todas estas e
A verdade é que estamos a viver uma nas lideranças e nos poderes instituídos, entes queridos que vão partindo, sozi- outras ausências que nos assaltaram e
pandemia que, de modo avassalador, que, muitas vezes, contribuem proativa nhos, sem a proximidade dos seus, sem agora teimam em nos perseguir?
tem vindo a moldar o quotidiano de e demagogicamente para o agravamen- um último adeus e, muitas vezes, sem a
cada um de nós, a nível micro, e de cada to da constatação em apreço.
um dos países, nações e civilizações, A ausência da cultura, nas suas mais
a nível macro, acentuando, cada vez diversas manifestações, um dos maio-
mais, as divisões, diferenças, desequi- res reveses desta crise, tem vindo a ori-
líbrios e desigualdades pré-existentes, ginar fatalidades imensuráveis, na sua
contribuindo, também, para o surgi- generalidade, impercetíveis ao primei-
mento de, ainda, novas cisões. ro relance. No futuro aperceber-nos-
Assim, é notório que continua a exis- -emos da profundidade deste golpe e
tir um longo caminho a percorrer para das suas nefastas consequências.
que o retorno à antiga normalidade seja A ausência de prioridades, muitas
efetivo e para o alcançar da tão querida vezes invertidas e cada vez mais detur-
equidade e justiça civilizacional global, padas, onde o bem comum, frequente-
muito ambicionada para o mundo con- mente, sai diminuído em prol do bem
temporâneo. individual, agravando-se a instabilida-
Esse caminho é, no entanto, marcado de laboral e acentuam-se as desigual-
por muitas ausências, ausências estas dades sociais, tem resultado num ma-
que a pandemia nos foi impondo e que, nifesto e notório aumento do fosso que
por se verificarem cumulativamente, se sabe existir entre os mais frágeis e os
têm vindo a pesar, cada vez mais, no restantes outros.