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A VOZ DE PORTUGAL | 18 DE MAIO DE 2023  | 3                                   CRÓNICAS
        Radicalismos



                     JORGE CORREIA                       mira portanto verificar o aparecimento de políticos  xava-se de ter gasto, naquele dias apenas, uma hora
                     Cronista do jornal                  que nada mais são do que máquinas de marketing,  e quarenta minutos no trajeto para o emprego, algo
                     A                                                                                     Houve algumas respostas sóbrias que lhe recomen-
                                                                                                          que ela poderia fazer de casa.
                                                         extremamente habilidosos na manipulação da men-
                            crescente necessidade de  sagem mas totalmente vazios de conteúdo. As mas-
                            afirmação individual junto  sas populares aqui retêm a sua responsabilidade: elas  davam procurar algo melhor, mais perto de casa ou
                            do coletivo tem levantado  permitem estes elementos vazios de conteúdo e errá-
                     demasiadas tensões na sociedade,  ticos nas soluções para a sociedade pela sua disposi-  mais de acordo com as suas circunstâncias de vida,
                                                                                                          à qual ela respondeu esbravejando, por vezes com
                     pelo inerente choque em diversos  ção condescendente de desleixo e de irracionalidade.  impropérios. Fiquei algo atónito, pois ainda me lem-
        planos quer sejam eles políticos, sociais ou até na  Comecemos pela irracionalidade. Esta exprime-se  bro o meu próprio caso em que para poupar despesa
        área financeira.                                 pela vontade de soluções que não são exequíveis, pelo  aos meus pais eu fazia de trajeto para a universidade,
         Desde as opostas áreas políticas que muitos situam  alinhamento com soluções que já se manifestaram  para tirar o curso que eu ambicionava, cerca de duas
        exclusivamente entre socialismo e fascismo – quase  nefastas no passado, pela incapacidade de sacrifício  horas para cada lado, ou seja, quatro horas de viagem
        sempre de forma errada – até às afirmações sexuais,  de escolha pois os recursos não chegam para tudo,  a pé e transportes por dia! E consegui-o! Mas agora
        onde o crescente registo de letras no acrónimo para  pela facilidade com que aceitam justificações pueris  vive-se uma época de facilidades, onde para os nos-
        denominar a definição sexual de cada um a par com  e muitas vezes chocantes para um ser minimamente  sos líderes é fácil prometer com os recursos alheios,
        as definições que vão aparecendo levantam muitas  pensante. O desleixo exprime-se pelo desalento com  e falhar, ou com sucesso e comprometendo o futuro
        dúvidas quanto à razoabilidade por trás destes esfor-  que olham para a sociedade, pelo “mais ou menos”  da sociedade. Agarramo-nos a promessas sem nos
        ços. É fácil perceber como estes conflitos se posicio-  a que se referem no comentário de tudo, pelo “no  perguntarmos  de  onde vêm  os  recursos  para  esses
        nam de forma irreconciliável gerando conflitos sem  meu tempo é que era bom”, pelo “deixa andar”, pelo  intentos – recursos materiais e humanos – e sem nos
        fim à vista, desgastantes e sem qualquer efeito prático  “não faz mal”, pelo “tanto faz, eles são todos iguais”,  perguntarmos quem os paga!
        para além da gritaria e perda de sentido das partes  que tem como consequências a radicalização mais ou   A ambivalência em que a sociedade se situa acaba
        em oposição. A sociedade necessariamente tem que  menos suave ou o absentismo na participação cívica.  por fomentar os radicalismos do tudo ou nada, do
        encontrar um ponto de equilíbrio que respeite ambas  O certo é que toda a sociedade em geral vive mui-  meu sobre o teu, da exclusividade e da solução última
        as partes, mas esquecem-se da velha máxima em que  to melhor no que outros tempos. Ainda me lembro  sobre todas as outras alternativas, que infelizmente
        os nossos direitos terminam quando pisamos nos di-  quando era muito jovem e havia o sentido de sacrifí-  nos traz memórias de outros tempos, memórias pou-
        reitos dos outros.                               cio de trabalho em todas as camadas etárias. Infeliz-  co felizes.
         Aqui aparecem os oportunistas das causas, que ali-  mente esse sentido de sacrifício era apenas o de auto
        nham com estas apenas para ganho de exposição  sustento e nunca o ambicioso intento de alargar os
        pessoal, ávidos que estão de público para fazer avan-  horizontes, herança que os Descobrimentos não dei-
        çar a sua agenda, seja ela política, social, artística ou  xaram ou terá desaparecido. Os idosos, que pouco ou
        outra qualquer. O seu modo de operar é pelo choque,  nada tinham de pensão, sabiam que tinham de culti-
        pelo extremismo, onde aqui colocam em evidência a  var a sua terrinha, pachorrentamente mas de forma
        própria hipocrisia de que se revestem pois se por um  constante, pois era o modelo que haviam deixado os
        lado defendem a sua liberdade de pensar, exprimir e  seus ancestrais. Os jovens sabiam que tinham de se
        agir, condicionam todos os outros a aceitar o seu pa-  sacrificar  para  um  futuro  melhor.  Hoje  nada  disso
        drão e a alinhar necessariamente com este. Não ad-  existe. Recentemente uma jovem no Twitter quei-


        Coisas do Corisco




                       JOSÉ DE SOUSA                     que trocou de patrão, a senhora Légaré, que era pro-
                       Cronista do jornal                prietária do Alfred Dallaire vendeu o negócio.
                                                          O novo proprietário tem lá um jovem representan-
                              aros leitores hoje vou lhes  te, que por acaso está estudando p'rá «arranjar» os
                              falar de um assunto que  corpos p'ró velório, ele tem um sorriso esforçado, pu-
                       Cmuitos de nós evitamos de  derá, ele não está ali p'rás festas, nós estávamos fes-
                       falar mas que ninguém escapa... A  tejando o jornal, mas sim p'ra te arrumar um último
                       morte.                            convívio, que se nós não nos ocupamos dos prepa-
         Encontrei a uns dias o Senhor José de Rabo de Pei-  rativos, ele se ocupa e lá estaremos ali bem vestidos
        xe, setenta anos... perto dos oitenta… esperto que  bem penteados mas sem poder ir p'rá lugar nenhum.
        nem uma barata, olho vivo, conduz o seu automóvel.   Bom agora já basta de falar da morte, vou por um
         O José disse que eu devia fazer os meus preparativos  ponto final nestas coisinhas, por enquanto estamos
        funerários, p'rá mim e p'rá conversada, diz ele eu já  vivos e prontos p'rá festejar as grandes festas do Se-
        tenho tudo pronto p'rá mim e p'rá minha mulher, e  nhor Santo Cristo em Montreal, lá vou passar com a
        não fiz mais cedo porque ela não queria, paguei mais  mota e comer uma bifana.
        caro, se for hoje ainda seria ainda mais.         Boas festas a todos.
         E, acrescentou que os dois seriam cremados.      "Segue o teu destino, rega as tuas plantas, ama as tuas
         É mais barato, custa uma fortuna um caixão.     rosas, o resto é sombra de árvores alheias", Fernando
         O José está informado, se fosse mais novo iria rou-  Pessoa.
        bar o lugar do sempre elegantíssimo Eduíno Martins,
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