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CRÓNICA 10 | LA VOIX DU PORTUGAL LE 8 JUIN, 2023 | THE VOICE OF PORTUGAL, 8 OF JUNE OF 2023
TH
A Andorinha desta Semana
CHRISTINA DE SOUSA é pior.
Mesmo à custa das vezes dos nossos
lá, bom dia Andorinhas! amores, ficar no mesmo lugar, não
Hoje tenho um pensamento pe- nos leva p’ra frente e para a melhor
Oqueno para o que é ser estranha. versão de nós. Mulheres, famílias,
Sabem, eu sou uma mulher de muitas e pessoas diferentes que sabem se
cores, mas tenho sempre um profundo um pequeno apreciar sem tirar nada do nosso va-
estranho. Consigo me ver nessa palavra, mas não com lor é isso que estamos sempre à pro-
um tom negativo. cura. Graças às amizades que tenho
Eu lembro-me de uma lembrança de muito longe, que hoje no dia a dia, no meu trabalho e
um certo rapazinho português me disse, "Olha, se você também às amizades que eu tive em crescendo, eu sabia
se veste de uma maneira diferente, seria muito mais bo- muito bem a importância de ser amiga. Amiga leva-te
nita". E eu fiquei, com 16 anos ao lado de um "miúdo" a melhor versão de ti. Mas também ficamos melhores
que nem me lembro do nome d’ele, mas lembre-me do juntas nas nossas piores formas. Uma amiga sente-se ao
que saiu daquela boca novinha. Um rapaz que não via o teu lado quando não podemos mais, só para estar ao
meu valor, eu com 16 anos, na frente da Padaria Lajeu- nosso lado. Eu tive a sorte de achar essa liberdade de ser
nesse no canto de Villeray. E eu também novinha de re- quem sou muito novinha, em amizades com a minha
pente tinha dificuldades em aceitar as partes estranhas prima Tracy Medeiros. A Tracy foi a minha primeira cava sem pensar em nada, só o prazer de viver naquele
do meu coração: sempre gostei de uma liberdade que é amiga. Estavamos juntas em casa da minha avó Emi- momento. Aquilo mesmo era estilo! E hoje temos esse
difícil meter em palavras numa cabeça de um adoles- lia. Quando o nosso costume de banho era cuequinhas jeito e um amor ainda de viver no momento. É muito
cente, e hoje na cabeça d’artista. Mas já naquela idade, brancas na piscina azul de plástico, no seu quintal de St mais difícil com trabalhos, o stress de nosso dia… mas
estava a descobrir o que eu gostava e o que gostava me- Dominique. A piscina que ela enchia metade de água da conseguimos juntinhas nessa amizade. Não precisamos
nos de mim e nos outros e também em experiências. mangueira e outra metade, com baldes de água quente de explicações e continuamos sempre no nosso cami-
Agora, com 41 anos nesse mundo, eu sei muito bem o da sua cave. Eu já expliquei na minha primeira crônica, nho… com a certeza de uma amizade sem condições. E
que é bom para mim, e o que não me leva a ser a melhor como a minha avó Emilia era forte! Tá aqui, um ou- não é que a gente se vê sempre… a vida do dia a dia…
versão de mim. Mas isso também sempre está a mudar tro exemplo que confirma! E naquele dias da minha não dá para isso, mas sempre a gente ajunta-se, sabe-
e eu não sou a mesma mulher de 16 anos nem a mesma infância, eu não tinha estilo nenhum e muito menos mos que não é preciso cerimônias. Não é tão simples
de 40. É difícil tomar grandes decisões, mas o contrário em cuecinhas brancas, mas eu e a Tracy riam e brin- viver essa dança de amar todas as partes de nós sem
machucar um bocadinho o nosso espírito ou as expec-
tativas de alguém. É uma dança que se faz devagarinho
e às vezes sem saber mesmo o nosso destino, temos que
seguir num momento sem saber o momento que vem
depois. Mas a minha prima Tracy também sem saber
o que vinha depois. Ela tinha coragem de seguir em
frente. Hoje ela é uma grande Andorinha independente
cheia de tatuagens! Com duas lindas crianças grandi-
nhas. Eu lembro-me ainda nas salas de matanças de
porco de hochelaga, em festas do Folclore da Casa dos
Açores do Quebec de Montreal, eu e a Tracy tínhamos
grandes planos para fugir à meia noite. A gente imagi-
nava que nos encontramos no canto de Henri-Julien e
na rua tal… E nunca ninguém ia saber onde a gente ia.
À meia noite, eu e ela, dormindo, as duas bem quinti-
nhas na cama e as barriguinhas cheias de comidinha,
estava tudo já esquecido. Os nossos planos daquele
momento, ficavam sonhos. Mas hoje Andorinhas pe-
quenas podem ter vontade de muitas coisas, e com ami-
zades imperfeitas chegamos a um destino menos sozi-
nhos. Agora a Tracy mora em Lavaltrie com tatuagens
das orelhas até aos pés. Mas, as piadas e a comedia são
açorianas. Podes achar eu e ela num restaurante portu-
guês qualquer a rir como duas malucas e ela a beber um
cházinho de salada. Ela também tem galinhas… não sei
se são açorianas ou do continente… mas de certo não
vão ficar almoço no prato d’ela… Eu neste momento
vivo agora uma história menos direitinha. Mas eu sin-
to-me muito forte, na minha imperfeição e com todas
as minhas fraquezas. Também me sinto um bocadinho
perdida, cansada e isso também nos leva para qualquer
lugar. Não sou para todos, e posso me esquecer às ve-
zes de uma coisa ou outra… mas levanto-me todos dias
com a certeza que o amor existe no meu peito. E é certo
que essas amizades e aquelas piadinhas pequeninas de
uma maneira imperfeita ajudem-me a encher todos os
bocadinhos profundos do meu coração. Essas Andori-
nhas estranhas cheias de tatuagens e com piadinhas um
pouco sem tarelo conseguem me empurrar pra frente
com grande amor e muito carinho. Espero isso para
você. Espero que vocês conheçam também Andorinhas
que de repente tem menos tatuagens que eu ou a Tracy
Medeiros… Mas eu sei que essas piadinhas e esses jeitos
sem tarelo são, sem dúvida, uma parte integral da sua
alegria do dia-ao-dia, tatuagens ou não!