Paralelo 38: Um açoriano no Pentágono

Esta história sobre Eduardo Pires, a desempenhar funções na inteligência norte-americana e com um percurso pessoal e profissional verdadeiramente invejável, tem outro sabor quando o comandante americano é originário dos Açores.
Não quer falar de Trump. Não deve. Não pode. O cargo que ocupa não o permite. Diz que nas eleições presidenciais, assim como todo o cidadão, falará para si próprio, através do voto secreto. Eduardo Pires tem nacionalidade americana desde os 18 anos de idade e é oficial militar no Pentágono com a patente de Tenente Coronel FGO – Field-Grand Officer, ou oficial de campo das forças armadas. Pires desenvolve o seu trabalho diário, com mais 25 mil militares e civis, no que é o maior prédio de escritórios do mundo, o monumental Pentágono, um colosso que tem o seu próprio shopping Center, hospital e academia, uma cidade pequena dentro de outra cidade, Washington DC, a capital dos Estados Unidos da América.
Esta história sobre Eduardo Pires, superiormente a desempenhar funções na inteligência norte-americana e com um percurso pessoal e profissional verdadeiramente invejável, tem outro sabor quando o comandante americano é originário dos Açores. Pires deixou a sua freguesia de nascimento, Santa Bárbara, na ilha açoriana da Terceira, com apenas 1 ano de idade, para ir viver com os pais nos Estados Unidos da América. Assim como aconteceu com outros emigrantes, movia-os a esperança em dias melhores. Instalaram-se numa cidade de tradição açoriana, ligada ao mar e à ex-indústria baleeira, New Bedford, e juntaram-se a familiares e a outros emigrantes açorianos. O arquipélago conta com cerca de um milhão e meio de emigrados nos Estados Unidos da América, Canadá e Bermuda, um número seis vezes superior ao da população residente nas ilhas.
Eduardo Pires, o Eduardinho como era conhecido por famílias da freguesia terceirense, visitou muitas vezes a terra-natal, em período de férias, o que lhe permitiu criar laços fortes com o país de origem. Guarda, por isso, da ilha Terceira, lembranças de oiro que o marcaram e moldaram, enquanto luso-americano, pois foram muitos os reencontros com os que nunca partiram. “Aprendi a nadar na Silveira e no Porto das Cinco e, como as nossas visitas eram no verão, estávamos constantemente em touradas e festas. A Terceira e Santa Bárbara são muito especiais para mim, são a fonte de muito em que fui criado, mesmo quando era adolescente nos EUA: tradições religiosas e culturais, comida deliciosa, amor pelo mar, festas e a importância da família.”
Eduardo desde cedo arquitetou a sua vida para que não tivesse um dia que se submeter ao trabalho fabril do piece work, da construção civil, ou outros serviços a que infelizmente estão sujeitos muitos emigrantes. A solução era estudar. Aluno diligente, ingressou na universidade de Massachussets onde se formou em História. Seguidamente, complementou os estudos com os mestrados em Relações Internacionais e em Segurança Nacional, na esperança de aceder um dia à CIA ou ao FBI. O serviço militar permitiu a ponte. Eduardo entrou para a Força Aérea, voou em aviões espiões no Afeganistão, como o P3 da Marinha; com o auxílio das comunicações via satélite, desenvolveu trabalhos em terra com os aviões de reconhecimento (drones) U2 e Global Hawk; cumpriu missões especiais na Europa, na Ásia e no Médio Oriente. Já havia apoiado, no início da sua carreira, missões da NATO, no Kosovo, através das bases americanas na Califórnia, e, após os ataques terroristas do 11 de setembro às torres gémeas, participou ativamente, no Médio Oriente, na busca de Bin Laden e de outros terroristas. Integrou ainda missões de manutenção da paz na Coreia do Sul e na Alemanha. Presentemente, passados 22 anos a servir as forças armadas, integra um grupo de oficiais que planeiam operações futuras.
Pires casou com uma advogada americana descendente de espanhóis, de nome Elysia, que conheceu quando estava estacionado na Califórnia. Ambos tiveram um filho, Ethan, que tem 15 anos de idade. Vivem na Virgínia, a 15 minutos de carro de Washington DC e do Pentágono, do local das decisões que mexem com o país e o mundo.
Questionei-o sobre a base aérea das Lajes e o seu quase total abandono pelos americanos. O comandante afirma que “o Congresso e o Presidente continuam ajustando a postura da força militar diante de exigências em evolução. De um modo geral, os Estados Unidos reduziram as suas forças na Europa desde o colapso da União Soviética, em 1991. A base das Lajes também foi afetada por essa tendência maior. Dito isto, os Açores, do ponto de vista estratégico, continuam a ser uma localização extremamente importante para os Estados Unidos e Portugal um importante aliado da NATO, parceiro e amigo de longa data” – referiu.
Pires teve o cuidado de ressalvar que as suas opiniões não vinculam nenhum pronunciamento oficial por parte dos Estados Unidos da América.
Eduardo Pires satisfez ainda a minha curiosidade face às alegadas ameaças chinesa e russa de que se fala para a estabilidade mundial e da NATO. Confere o militar norte-americano que vê a China “como concorrente estratégico e uma potência crescente que, de certa forma, está ameaçando os interesses dos EUA e dos seus aliados e parceiros de governança democrática, comércio livre e estabilidade regional.” E quanto à pretensão em vir a tornar-se uma potência mundial a ombrear com a América e a Europa, o Field-Grand Officer revela que “o objetivo público declarado da China é ser uma superpotência económica e global até 2049, o aniversário da fundação da nação”. Acrescentou ainda que “estão usando vários meios para atingir esse objetivo, incluindo o roubo de propriedade intelectual e outras práticas comerciais desleais.”
No contexto da atual crise pandémica, questionado sobre a eventualidade de o novo coronavírus haver sido produzido por um laboratório chinês com fins estratégicos para atingir o ocidente e enfraquecer as economias europeia e americana, Pires entende que não existem “evidências de que o vírus tenha sido produzido artificialmente”,  vendo esse “um cenário altamente improvável, pois quem supostamente o produzisse também seria, inevitavelmente, afetado por ele.”
A finalizar, no referente ao posicionamento da Rússia no quadro geoestratégico atual, potência que detém o quinto maior orçamento militar nominal, o comandante Eduardo Pires opina que o país “gostaria de restaurar o seu status de grande poder, mas, ao tentar fazê-lo, desestabiliza a região, intimidando os seus vizinhos e minando o domínio democrático.”
Desde Santa Bárbara, na ilha açoriana da Terceira, aos gabinetes da inteligência do Pentágono, em Washington DC, passando por New Bedford, bases da Califórnia, teatros de guerra escaldantes como os do Iraque e do Afeganistão, entre outros territórios complexos dispersos pelas cinco partidas do planeta onde o oficial americano desenvolveu a sua atividade, o percurso brilhante deste açor-americano só pode orgulhar o Portugal insular e continental, a OTAN e o ocidente, em geral. Um bem-haja ao açor-americano Eduardo Pires.

João Gago da Câmara