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A VOZ DE PORTUGAL | 9 DE NOVEMBRO DE 2023                                                 CRÓNICA       3
        Indigência de espírito, indigência material




                     JORGE CORREIA                       softwares necessários ao seu trabalho, situação que se  eu trabalhava, consegui obter um bebedouro gratuito
                     Cronista do jornal                  mantém um pouco por toda a parte. A lista é infindá-  para o pessoal do armazém de materiais, com água e
                                                         vel. Não admira portanto a hemorragia destes profis-  copos de plástico a um preço de tal forma irrisório que
                            eixei a discussão do orçamen-  sionais, assim como outros mais, para o estrangeiro. E  não chegava a um custo mensal de 1 Eur. A minha equi-
                            to de estado português para   uma vez experimentando outras realidades mais con-  pa ficou bastante satisfeita. Talvez por minha inocência,
                     D2024 chegar ao fim por um          venientes dificilmente serão convencidos para regres-  julguei que este benefício seria também bem visto pe-
                     lado propositadamente, por outro pela   sar. Que fazer então? É mais do que sabido que Portugal  los meus superiores. Mas não. Tive que reverter todo
        questão Israel-Hamas, que tem assumido proporções   precisa de reformas profundas. Estas reformas têm de  o acordo com justificação de poupança de recursos,
        e mantém proporções importantes. Falando do orça-  começar pelos próprios portugueses, sobre a forma de  pasme-se! No entanto regularmente vários diretores al-
        mento de estado português, nada me surpreendeu,   vontade para reformar. E terá que continuar num ciclo  moçavam juntos e seguiam todos eles cada um no seu
                                                         perpétuo de contínua melhoria, olhando sempre para o  carro, com tudo pago pela empresa, para a mesma re-
        infelizmente.  E  porquê?  Simplesmente  porque  nada   futuro, baseado no esforço e trabalho árduo. Só assim  feição em conjunto. É esta indigência de espírito, que se
        neste orçamento faz pela fundamental questão portu-  permitiremos ter campo fértil e arado para frutos no  preocupa com as coisas mínimas mas perde o sentido
        guesa: desenvolvimento económico, mais precisamente   futuro. E por consequência o crescimento económico  maior ou o alcance a longo prazo que mata qualquer
        crescimento económico, que permita sustentar o tão   que sustente melhores salários. Neste momento, com  progressão ou prosperidade em Portugal. Mas há que
        afamado estado social, tão querido aos portugueses.   recurso ao site doutorfinancas.pt, para um assalariado  fazer força e romper este estigma. Voltando ao orça-
        Nenhum problema – e sublinho “nenhum” – será re-  com 1200 Eur mensais líquidos, aproximadamente o  mento de estado, será que responde a esta necessidade?
        solvido sem se abordar em definitivo a questão do cres-  salário médio em Portugal, cerca de 900 Eur são retidos  Não, claramente não! No entanto não vejo manifesta-
        cimento económico de uma forma pragmática, livre
        de condicionalismos ideológicos ou outros atavismos   pelo estado, ou seja, o custo deste trabalhador é de 2100  ções na rua; as sondagens continuam a dar ao governo
        que pervertem a discussão e afastam a sociedade por-  Eur por mês para a empresa. Ou seja quase 43% fica  um apoio confortável, ainda que medíocre. As pessoas
        tuguesa desse caminho. Muitos se perguntam porque   retido em impostos e contribuições. Se adicionarmos  queixam-se, mas resignam-se. Mas manifestam-se pela
        razão com diversos programas de incentivo a regresso   a isto que depois paga IVA, IMI, imposto de circulação  Palestina – não que o assunto não deva ser levado em
        de emigrantes, promessas de aumentos salariais e ou-  automóvel, imposto de selo, taxas audiovisuais e muitas  conta – mas que é usado como distração num povo que
        tras benesses que à primeira vista parecem tentadoras,   outras taxas e taxinhas, depressa não nos admiramos  se delicia na sua ignorância e refastela nas migalhas da
        acabam por nunca resultar. Esses que se perguntam es-  que o estado se torna um sorvedouro de riqueza cria-  indigência da qual se queixa mas da qual é principal
        tão, a par com aqueles que idealizam e constroem esses   da no país. Não admira portanto que o orçamento de  autor.
        programas, afastados da realidade. Jamais se competirá   estado consagre mais de 50% da riqueza criada no país
        com os salários que os emigrados usufruem no estran-  para si mesmo. Não se trata aqui de atacar ou deixar
        geiro, simplesmente porque a estrutura lá montada per-  de atacar o estado, trata-se de reconhecer um desequilí-
        mite uma melhor satisfação do trabalhador para além   brio visível de um modelo insustentável e asfixiador da
        do próprio salário, que sendo por ventura duas a três   sociedade. Infelizmente os portugueses mobilizam-se
        vezes superior, é inalcançável por parte do estado por-  mais rapidamente para protestar contra o aumento do
        tuguês sem matar completamente a sociedade. Querem   IUC (imposto de circulação automóvel) para viaturas
        um exemplo? Conheci uma médica exercendo numa    mais antigas – protesto até justo e racional – mas nada
        zona próxima de Lisboa que acabou por abandonar o   fazem em protesto contra o degradar dos serviços de
        serviço público de saúde porque chegou ao ponto de   saúde, da educação ou uma justiça lenta, ou a salvação
        saturação com os serviços, onde os computadores não   duvidosa de empresas como a EFACEC, ou a manuten-
        funcionavam, quando funcionavam a ligação era len-  ção da TAP onde se torraram milhares de milhões em
        tíssima implicando tempo adicional se quisesse fazer   impostos! Recordo-me, com tristeza, numa empresa
        os registos necessários para os doentes e prescrições, o   em que trabalhei em Portugal, onde beneficiando de
        sistema de marcações era de tal forma anacrónico que   uma  manobra  comercial  bem  sucedida  junto  de  um
        impossibilitava o seguimento apropriado dos pacien-  fornecedor com amplos benefícios para empresa onde
        tes, entre muitas outras coisas. Antes de sair de Portugal
        também assisti a situações como falta de papel higiénico
        nas instalações, falta de papel de limpar as mãos em la-
        boratórios nacionais para os técnicos (implicando que
        os técnicos levassem as suas próprias toalhas), falta de
        tinteiros para imprimir, computadores que demoravam
        uma hora a arrancar e por vezes incompatíveis com os
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