O Valor das Aparências

Como é do conhecimento geral, o valor das aparências é sempre grande. Costuma até dizer-se que mais vale ser que parecer. Infelizmente, o mundo está repleto de aparências, muitas vezes intencionalmente debitadas como realidades, mas que nunca existiram. Até em obras de gente de renome tal realidade aparece com alguma frequência.
Ora, em certa entrevista recente a uma rádio, o Papa Francisco salientou que é preciso acabar com a política irresponsável de intervir e construir a democracia noutros países, ignorando as tradições dos povos, criticando, deste modo, o envolvimento de duas décadas do Ocidente no Afeganistão. E teve, nesta sua intervenção, a mais cabal razão. Infelizmente, o Vaticano, por via dos antecessores de Francisco, raramente tratou com este realismo as infindas intervenções dos Estados Unidos por partes diversas do mundo, ao longo de muitas décadas e com trágicos resultados.
Acontece que esta correta crítica também havia sido feita pelo Presidente Vladimir Putin, num encontro recente com Angela Merkel, o que mostra que Putin e Francisco compreenderam bem a realidade desde sempre praticada pelos Estados Unidos e por todo o mundo. Simplesmente, as voltas terão sido trocadas a Francisco, porventura sem intenção.
A uma primeira vista, o Papa Francisco terá referido o que se lhe ouviu, mas na convicção de que o respetivo conteúdo havia sido debitado por Angela Merkel, que também qualificou como uma das maiores figuras políticas do mundo. Simplesmente, a tal correta constatação fora de Vladimir Putin e não da chanceler alemã. Bom, num ápice a grande comunicação social veio a público referir o erro, embora de pronto passasse ao silêncio. Talvez assim se conseguisse minimizar os estragos de mostrar que Francisco concordava com o que Vladimir Putin dissera na presença de Merkel, em Moscovo.
Nesta recente visita de Merkel à Rússia, o Presidente Putin apontou que a rápida conquista do Afeganistão pelos taliban, mostrou a futilidade das tentativas dos Estados Unidos e aliados – joguetes, digo eu – para impor a sua própria visão de democracia. E tudo isto com Merkel a admitir que a operação não conseguiu proporcionar um futuro claro aos afegãos.
No entretanto, lá nos foi dado escutar a possível explicação do Vaticano sobre o sucedido. Bom, Steffen Seibert, porta-voz do Papa, recusou comentar diretamente as declarações de Francisco… É caso para que se diga: bruxo… Complementarmente, a estação da rádio vaticana veio garantir que o conteúdo foi examinado previamente pelo próprio Papa. Ou seja, este concordou, afinal, com o que havia sido dito pelo Presidente Vladimir Putin.
Por fim, um dado curioso, reconhecido por Angela Merkel: as metas do Ocidente podem ter sido demasiado ambiciosas e as diferenças culturais e a corrupção podem ter sido subestimadas. Infelizmente, a corrupção foi, também aqui, um instrumento da política dos ocupantes norte-americanos. No meio dela, o espetacular crescimento da cultura do ópio, como nos foi dado ver, há já uns bons anos, pela conversa de certo major norte-americano: preferiram não lhes pôr um fim…
Deixo ao leitor esta pergunta: acaso o Papa Francisco sabia, de facto, que aquelas corretas considerações haviam sido proferidas pelo Presidente Putin? Pelo meu lado, não acredito, o que significa que os factos não valem só por si, mas por quem os protagoniza. Se for Putin a dizer que 2 + 2 = 4, no Ocidente terá de se dizer que o resultado é 5. É o que a História sempre nos mostrou, para o que basta recordar os casos Skripal e Kashoggi.