Afinal o eleitor não está a dormir

Com a recente maratona de eleições que julgo importantes para todos os portugueses, incluindo aqueles que vivem aqui no Canadá, onde se inclui também as eleições na Alemanha, julgo que uma das lições é que o eleitorado em geral não está a dormir, ou seja, tem mantido atenção ao que se passa o que por si mesmo já é animador.
Começando pelo Canadá, podemos resumir que se baralhou para voltar a dar o mesmo. Não sou daqueles que se agarra ao custo das eleições, pois se não se gastasse agora gastaríamos daqui a dois anos se a legislatura fosse até ao fim, ainda que o custo das eleições possa chocar, pelo que era um custo que cedo ou tarde teríamos. A questão aqui é o oportunismo de despoletar as eleições. Estou de acordo que vivemos um momento chave, que decisões de agora irão marcar o futuro. Mas o eleitorado respondeu: trabalhem com o mandato que vos dei! Melhor e mais clara resposta para todos os partidos, e repito todos, não poderia existir.
Na Alemanha, na era pós Angela Merkel que se afasta do poder, vamos entrar no jogo de coligações pois os dois partidos principais estão longe de maioria e têm um resultado tão próximo, com vantagem inferior a dois pontos percentuais para os sociais-democratas do SPD, que várias opções de coligação são possíveis para obter a maioria no parlamento alemão. Uma coisa parece-me certa, não vejo grande alteração do posicionamento da Alemanha dentro da União Europeia, ainda que os candidatos ainda tenham muito que provar para se alçarem à presença e influência que Merkel capitalizou ao longo dos últimos anos com as diversas crises que enfrentou. No interior da Alemanha continua a manifestar-se uma fratura do eleitorado reveladora da necessidade de se chegar a consensos que possibilitem uma condução dos destinos do país de forma harmoniosa, com o cuidado de evitar deslizes para radicalismos desnecessários que poderiam colocar a Europa em crise.
Agora em Portugal… penso que a lição aqui é que a arrogância no imediato pode dar satisfação ao ego e até alguns pequenos dividendos, mas não resulta a médio e longo prazo. Isso revelou-se com a perda de câmaras importantes por parte do PS com destaque para Lisboa, onde um dos delfins de Costa, proto candidato à sua sucessão, perdeu de forma surpreendente para Carlos Moedas. Muito mérito para este que, ao contrário de muitos e do próprio Rui Rio pensarem que foi vitória do PSD. Aqui a pessoa de Carlos Moedas, assim como em geral nas autárquicas, é chave do sucesso ou insucesso. Outro exemplo foi Coimbra, que mesmo com a promessa descabida, ridícula e despropositada de uma maternidade por parte do primeiro ministro António Costa, foi perdida para o PSD. Aliás, o desdobrar de António Costa pelo país em promessas, incluindo a de que os dinheiros do PRR (Plano de resiliência e recuperação) vindos da União Europeia seriam mais bem aproveitados se as câmaras fossem socialistas, quase numa alusão que ou vocês votam em nós ou dinheiro não vos fará proveito, é uma ação que classificaria de obscena. Mas a arrogância ferida não se ficou pelo PS. No Porto, Rui Moreira voltou a ganhar mas sem maioria. Talvez deva refletir no modo arrogante que por vezes usa na abordagem a diversos temas, e se a confiança do eleitorado se mantém nele, há certamente uma nota que este deve levar em conta. Rui Rio, que se safa do descalabro principalmente pela associação com a vitória de Carlos Moedas em Lisboa, poderia ser mais magnânimo e evitar a arrogância de discursos como se tivesse tido uma vitória estrondosa, de sua exclusiva responsabilidade. O comportamento agora no rescaldo das eleições, ou em situações como na Figueira da Foz onde a verdadeira perseguição feita a Santana Lopes, quer gostemos deste ou não, mas que foi levada ao extremo de processo em tribunal para evitar a participação de Santana à corrida eleitora na Figueira, é uma nódoa resultante de despeito arrogante que nos deve levar a franzir o sobrolho, e como fica provado por estes exemplos, o eleitorado não é cego a estes comportamentos.
Espero que os novos responsáveis autárquicos, de presidentes de câmara a presidentes de freguesia passando pelos membros de assembleia locais não se esqueçam da sua função: servir os cidadãos locais dentro das competências autárquicas e deixarem de lado a doença da “partidarite” e obsessões ideológicas que muitas vezes cegam até os melhores elementos no cumprimento dos seus deveres. Do eleitorado vem uma nota de esperança, onde apesar de ainda haver muita clarificação e tomada de consciência por fazer, há um vislumbre que nos permite estar esperançosos para o futuro. Contudo há que não baixar a guarda; há que estarmos atentos e sermos exigentes, da mesma forma que um acionista é exigente com a equipa de gestão da sua empresa, devemos ser exigentes com a equipa de gestão da res publica.