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CRÓNICAS 6 | A VOZ DE PORTUGAL | TERÇA-FEIRA, 1 DE JUNHO DE 2021
DITADURA? NÃO
PROF.ª MARIA viver melhor. exemplo, as bênçãos oferecidas aos Sócrates, Salgados
DA CONCEIÇÃO BRASIL Mas, há quem teime em construir, contra a democra- e outros corruptos que por aí andam à solta. Mas, o
jornalista dos Açores cia que hoje temos e que tão dificilmente conseguimos senhor do Chega é um homem que não apresenta al-
alcançar, uma nova ditadura de direita que vai, ou pa- ternativas credíveis para uma democracia que anda
rece ir, ao encontro dos tempos terríveis de Salazar. bastante torta.
estes tempos de pandemia todos fomos Como é do conhecimento de quem toma atenção às Vejam o que se passa em Ceuta, Terra espanhola, com
obrigados a seguir regras ou normas para notícias que diariamente são colhidas pelos jornalistas a chegada de tantos homens, jovens e crianças fugidos
Nnos preservarmos de uma doença que, em e/ou articulistas e colocadas à disposição do público de Marrocos. Os defensores da direita não sabem por-
muitos casos, se revelou mortal. E obedecemos. O interessado nestas matérias da informação, assistimos que se foge da terra-mãe e se parte à procura de tra-
receio ou, mesmo, medo foram factores que nos à Convenção das Direitas que foi amplamente divul- balho, pão e paz? Repressão, meus amigos; ausência
transportaram para um tempo em que a sujeição, gada, comentada, exageradamente tida em conta de de perspectivas de futuro; opulência de poucos versus
a quem tinha por função preservar os seus povos e um grande evento. Mas será que estamos em risco de fome da maioria.
nações, foi a regra a cumprir. Estávamos a viver em perder aquilo por que tanto se lutou? Têm ideia do que passaram os seus avós nos tempos
Democracia, no caso de Portugal, por exemplo, mas Que o sr. André Ventura tem presença, é mesmo um da fome, desconforto, falta de tudo? Ou acham que os
havia que ter bom senso e aceitar que não eramos tão homem bonito e bem-falante, não o podemos negar. pratos abundantes que agora comem regaladamente
livres como antes. Mas, daí a correr atrás das suas ideologias torna-se pe- eram uma realidade à mesa da maioria das famílias?
Hoje, e após passar um ano e alguns meses, com a rigoso para aqueles que querem conservar a sua liber- Esqueçam. A direita radical que nos é apresentada
chegada das vacinas, o número diário de infectados a dade. Está muito claro que pretende alargar o seu po- com embrulhos dourados e laçarote bem posicionado
baixar e, talvez, maior conhecimento dos procedimen- der e os ideais que apregoa a alguns desprevenidos ou, é uma fraude, um recomeço de tudo aquilo que nunca
tos médicos e outros como motores de esperança, co- mesmo descontentes com o que se passa agora num mais queremos nas nossas vidas nem nas dos nossos
meçamos a desconfinar de imposições e a abrir portas País que está a cometer muitos erros – vejamos, por filhos e netos.
a uma liberdade que, embora controlada, já nos faz
DORES QUE SE SUCEDEM
HÉLIO B. LOPES Estavam vivos, mas este perdera todas as suas cumpriu e quem procurou jogar por tudo o que
Jornalista em Portugal referências humanas, recordando, afinal com dor, pudesse cheirar a vitória.
aqueles com quem havia convivido ao longo da sua Num destes dias recentes, eis que vim a saber, por
já longa vida e que o haviam deixado. via de Miguel Poiares Maduro, que havia falecido,
á uns bons anos, tive a Vem tudo isto a propósito da vaga recente de con- nos Estados Unidos, o académico de Yale, Nuno
oportunidade de visionar cidadãos nossos que vêm deixando a nossa compa- Peres Monteiro, de cuja existência soube durante
Hum filme que reputo de nhia, quedando-nos, cada um de nós, como aquele o final das eleições que conduziram Joe Biden à
excecional e que me tocou profundamente: À ES- velhote humano e que já só tinha como compa- Casa Branca.
PERA DE UM MILAGRE, que tinha como uma nheiro de outros tempos o tal ratinho que o in- Bom, fiquei perplexo, até porque não dera por
das duas figuras centrais Tom Hanks. justiçado prisioneiro também conseguira salvar de nada sobre o caso. Mas se nesse dia soube do que
Mas tinha uma outra personagem central, infeliz- uma morte por traumatismo global. se havia passado com Nuno Monteiro, logo uns
mente já falecido, afroamericano, e de que soube Muito recentemente, perdemos a companhia de dois dias depois, igualmente perplexo, vim a saber
tratar-se de alguém com a melhor moral e uma ex- Eduardo Lourenço, por acaso natural do Conce- da morte do académico Pedro Lains e do que de si
trema bondade. lho de Almeida, mas também de Jorge Coelho, nos deixou António Costa Pinto.
E voltei a visionar este filme na televisão, de novo este mais recentemente. Duas personalidades que E, finalmente, aí nos surgiu a notícia do faleci-
me quedando intimamente impressionado com as muito marcaram a sociedade portuguesa e a níveis mento de António Coimbra Martins, que também
grandes lições da vida que dali se podem tirar. As- diversos. fundou o PS uns dois anos antes da Revolução de
sim ele volte a passar, e de novo o voltarei a ver Ainda mais recentemente, também o académico 25 de Abril.
como uma novidade. Soares Martinez nos deixou – o tal meu Professor
Este filme continha uma lição final, porque o Mário Soares, como já expliquei –, que em mil e Num certo sentido, pois, começo a entrar na si-
chefe dos guardas, fruto da intervenção de mais um deixou uma presença memorial, mesmo que tuação em que se viu caído o tal histórico chefe
uma vítima negra da justiça norte-americana, vi- por razões diametralmente opostas. Há umas se- dos guardas prisionais do filme À ESPERA DE UM
nha durando muito para lá da esperança média de manas, foi a vez de nos deixar a jovem Maria João MILAGRE, cada dia mais só, com sucessivas per-
vida à nascença do seu tempo. Abreu, ela também tão presente numa enorme das das referências que me moldaram ao longo de
E o mesmo se dera com o famoso ratinho, ele parte dos lares portugueses. uma vida a passos rápidos para os 74 anos.
também salvo da violência intrínseca à grande Uns dias depois, deixou-nos o histórico Capitão E, mesmo ainda longe daquela situação muito ex-
maioria da sociedade norte-americana. de Abril, Diniz de Almeida, que também nos ofe- trema, a verdade é que há uma dor que se percebe
Uma lição ali nos surgiu, com esta longevidade receu duas obras de grande importância, uma de- já estar a crescer. E então, nestes últimos tempos,
daqueles dois seres, o histórico e justo chefe dos las, em dois volumes, com o título ASCENÇÃO, estas dores sucedem-se a um ritmo deveras dolo-
guardas e o ratinho: eles eram, afinal, o que restava APOGEU E QUEDA DO MFA. Uma obra essen- roso.
da geração do primeiro. cial para se conhecer quem fez o quê, quem não A vida não tem nada de uma brincadeira...