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A VOZ DE PORTUGAL | 6 DE OUTUBRO DE 2022 | 3  CRÓNICAS

O Filme Repete-se
                                                            entre o menos mau candidato em vez de se procu-                        lista e com maioria, vê a necessidade de mexer nas
                  JORGE CORREIA                             rar o melhor; aqui no Quebec vive-se um autêntico                      pensões (algo que já se sabe desde há muito, mas lá
                  Cronista do jornal                        leilão de benesses, sem ninguém perguntar quem as                      está, criou-se a ilusão) e automaticamente as son-
                                                            paga, misturado com utopias e algumas gafes reve-                      dagens dão uma quebra acentuada na aceitação do
    Tenho referido por diversas                             ladoras do verdadeiro fundo dos participantes nas                      governo com a oposição a ganhar peso.
                            vezes, incluindo nos mais       eleições; em Portugal, com um governo de maioria,                       O mesmo se passa com o funcionalismo público.
                            recentes artigos, que a fuga    vive-se um caos fruto das opções erradas ao longo                       Chega ao caricato do setor privado apoiar o fun-
                   à realidade engendra a tomada de         dos últimos anos, vivendo-se de ilusões, ao mesmo                      cionalismo público sem se perceber que é o setor
                   opções que cedo ou tarde se reve-        tempo revelador de um desgaste prematuro fruto da                      privado que sustenta a excessiva gordura e inefi-
lam mais ou menos catastróficas. À ilusão sucede-           inexistência de qualquer visão para o país.                            ciência do setor público.
-se a desilusão como fator corretivo de retorno à            Pessoalmente sou apologista do princípio que as                        A história diz-nos que estas situações levadas ao
realidade.                                                  populações têm os líderes que merecem, ou seja,                        extremo causam considerável perturbação nas so-
                                                            os líderes acabam por refletir a inclinação natural                    ciedades, tendo mesmo originado conflitos arma-
 Vivemos intensamente esta circunstância nas                e circunstancial das populações. São poucos os lí-                     dos com repercussões extensas. Em todos os casos
atuais democracias onde o delírio de líderes que            deres que ousaram puxar toda uma sociedade em                          levou a um empobrecimento e declínio das socieda-
nada têm de substância, mas carregados de talento           determinada direção positiva: o desgaste é imenso,                     des pois os recursos foram mal utilizados e a pró-
comunicativo, promovem o erro e alimentam a ig-             o perigo não o é menos e exige sacrifícios a determi-                  pria realidade obrigará a um novo ponto de partida.
norância nas massas para satisfação dos seus egos e         nadas fações bem instaladas no regime.
para desespero da sociedade em geral.                        Em Portugal é revelador: o atual governo, socia-
 No Brasil é lamentável a chegada a uma escolha

Enriquecimento Sem Causa                                                                                                            Cabe a cada cidadão estar ciente, participar e estar
                                                            positada.                                                              aberto a compromissos que promovam o equilíbrio
                   JUDITH TEODORO                            Com tal transferência o titular da conta viu (o cha-                  justo dentro da sociedade evitando soluções absur-
                   Advogada em Portugal                     mado empobrecido), consequente e necessariamente,                      das e desconectadas com a realidade.
                                                            o seu ativo diminuído, à custa da disposição de dinhei-
    Nos termos do disposto no                               ro que era seu ao mesmo tempo que assistimos a um
                              artigo 473.º, n.º 1 do Códi-  correlativo enriquecimento do titular da conta destino
                              go Civil “Aquele que, sem     (o chamado enriquecido). O enriquecimento do ter-
causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é         ceiro e o correspetivo empobrecimento do empobre-
obrigado a restituir aquilo com que injustamente se         cido ocorrem no mesmo momento, sendo a vantagem
locupletou.”                                                patrimonial obtida totalmente injustificada, isto é, ca-
 E o n.º 2 do referido preceito legal acrescenta que a      rece de causa justificativa. Por isso inexiste qualquer
obrigação de restituir tem de modo especial por objec-      relação ou facto que, de acordo com as regras ou os
to o que for indevidamente recebido, ou o que for rece-     princípios do nosso ordenamento jurídico, justifique
bido por virtude de uma causa que deixou de existir ou      tal, isto é, que legitime o referido enriquecimento obti-
em vista de um efeito que não se verificou. Portanto,       do por terceiro à custa do empobrecido.
para além de ser exigido, como pressuposto, um enri-         Em regra, o enriquecimento não terá causa justifi-
quecimento patrimonial, é essencial a ausência de cau-      cativa quando, segundo os princípios legais, não haja
sa justificativa desse aumento do activo e, cabe a quem     razão de ser para ele ou quando, segundo os mesmos
reclama o direito de ser restituído demonstrar (tem o       princípios legais, deve pertencer a outrem e não ao efe-
ónus de provar) o que outrem se locupletou injusta-         tivo enriquecido. Como bem referem Pires de Lima e
mente à sua custa, no caso de interpor ação judicial. A     Antunes Varela, “poderá dizer-se que a falta de causa
obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem        justificativa se traduz na inexistência de uma relação
causa pressupõe a verificação cumulativa de três requi-     ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sis-
sitos, quais sejam, a existência de um enriquecimen-        tema, legitime o enriquecimento”.
to; sem causa justificativa, e à custa de quem requer a      O direito à restituição por enriquecimento prescreve
restituição. No entanto, o instituto do enriquecimento      no prazo de três anos, a contar da data em que o cre-
sem causa tem natureza subsidiária, donde só dever          dor teve conhecimento do direito que lhe compete e
ser chamado quando a lei não concede ao empobreci-          da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição
do outro meio de ser indemnizado ou restituído.             ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a con-
 Será o caso nomeadamente quando houver transfe-            tar do enriquecimento.
rência de certa quantia da conta bancária de uma pes-        No entanto nos termos do nº 1 do artigo 333º do Có-
soa para outra apenas na qualidade de fiel depositário,     digo de Processo Civil, a prescrição interrompe-se pela
não sendo essa transferência em dinheiro na perspeti-       citação ou notificação judicial de qualquer ato que ex-
va do empobrecido uma doação, ao invés da perspe-           prima, direta ou indiretamente a intenção de exercer
tiva do enriquecido que considera essa transferência        o direito.
uma doação, e por isso considera ser seu a quantia de-
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