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A VOZ DE PORTUGAL | 21 DE SETEMBRO DE 2023 CRÓNICA 3
Somos fado?
JORGE CORREIA come[r], bebe[r] e divert[ir]-se indignado, mas Que pensar do caciquismo político?
Cronista do jornal não passa disto”, como disse bem Miguel Torga, Que pensar da desmotivação de um povo que se
não passando de uma “coletividade pacífica de entrega prazerosamente à sua infame estagnação?
a visita do presidente revoltados”. Provavelmente deveria prestar mais atenção a si
Marcelo Rebelo de Sousa A indignação é constante, mas nada fazemos mesmo e mudar a sua mentalidade.
Nao Canadá, este terá dito, para progredir. As atuais circunstâncias são difíceis para um
entre outras coisas, que “somos Aliás, progressão é algo doloroso para o espírito diálogo, em especial na sociedade portuguesa que
fado...”! Esta afirmação ficou-me português, que só sobre a ação de forças externas vive saudosista de frustrações passadas mas que
na mente, e nas minhas deambulações mentais é que se mobiliza, retrocedendo à primeira opor- não gosta de falar sobre elas para as resolver.
sobre a sociedade portuguesa, folheando algu- tunidade em que se encontra novamente entregue Em vez de nos determos em comentários sobre
mas páginas da história de Portugal, detive-me a si mesmo. decotes mais ou menos arejados ou outros factos
no episódio da sublevação da Maria da Fonte. Não admira o grande retrocesso que presidiu e triviais, deveria a sociedade portuguesa concen-
Este episódio ocorreu depois das guerras libe- ainda preside à manutenção de uma governação trar-se em objetivos precisos e quantificáveis,
rais no século XIX, onde – muito ao jeito por- incompetente e falhada destes últimos anos, e na evitando os obstáculos autoimpostos, a começar
tuguês – a sociedade ainda não tinha curado as maior parte dos anos de democracia, sem contar por aqueles ligados à ideologia, em particular so-
feridas das mesmas. com as décadas e séculos anteriores. Uma socie- bre o infindável e improdutivo embate entre es-
Esta sublevação foi despoletada pelas condições dade cujos membros se mobilizam mais pelas querdas e direitas.
socioeconómicas? emoções saudosistas e pelo apego infantil do que Assim, com mentalidade renovada, o futuro será
Não. pela racionalidade acaba por se entregar a solu- mais risonho se nos abrirmos às soluções que a
Foi despoletada pelo modo de governação ou ções infelizes que prejudicam o seu futuro. realidade exige.
por uma alternativa precisa? Prejudicando o futuro, estaremos a prejudicar o Não posso deixar de concordar com o presidente
Não exatamente. presente de um futuro cidadão, pois o presente, Rebelo de Sousa: somos efetivamente fado, não
Foi despoletada por melhores condições de vida? tanto para um individuo como para uma socie- há como escapar, mas em contrapartida podemos
Não. dade, é o somatório de todo o seu passado. Que construir um fado melhor para os nossos filhos
Foi despoletada pela ânsia de uma sociedade que pensar da estagnação económica? e netos.
queria progredir? Que pensar do descalabro da educação, com fal- Ainda vamos a tempo, até ver...
Não. ta de professores, injustiças nos rendimentos, etc?
Foi despoletada principalmente – agora prepa- Que pensar da justiça, em que os atrasos perdu-
rem-se – pela exigência do governo da época em ram e perduram, com processos e equipamentos
proibir os enterros nas igrejas, que se faziam na obsoletos?
altura, exigindo que passassem a ser em terreno Que pensar da incompetência de governantes,
próprio atribuído a essa função – o que hoje co- que roça a imbecilidade?
nhecemos por cemitérios! Que pensar do vazio da oposição, incapaz na sua
Não me vou deter no facto caricato – muito tam- esmagadora maioria de propor alternativas e mo-
bém ao jeito português – em que se determina bilizar o país?
uma proibição associada a uma obrigação sem os Que pensar da incapacidade de atrairmos inves-
recursos necessários para a cumprir, ou seja, não timento promotor de desenvolvimento e aprovei-
havia cemitérios que pudessem acolher os faleci- tador do talento dos nossos formandos universi-
dos. tários?
Isto é um pormenor que ainda vemos repetido Que pensar do inverno demográfico que se vive
em pleno século XXI que só confirma toda a tese sem ninguém querer tocar no assunto?
que a sociedade portuguesa não mudou.
Mas este evento despertou em mim uma possí-
vel resposta à pergunta que serve de título a este
artigo.
Olhando para esse evento, e até outros na his-
tória portuguesa, não podemos deixar de notar
a pusilanimidade de um povo conservador, ha-
bituado a “moureja[r] o dia inteiro indignado,