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A VOZ DE PORTUGAL | 12 DE OUTUBRO DE 2023 CRÓNICA 3
E assim se retrocede
JORGE CORREIA profunda, entre forças progressivas, tímidas mas do-a cada vez mais distante, se não mesmo impos-
Cronista do jornal existentes, em confronto com outras forças no seu sível. Ao mesmo tempo promove em Israel forças
O compromisso. mento: se eles nos querem eliminar, eliminemo-los a
seio, retrógadas, fanáticas, orgulhosas, amarradas a políticas cada vez mais radicais e que se permitem a
martelo da imbecilidade dogmas irracionais e portanto incapazes de qualquer expor cada vez mais o que vai também no seu pensa-
tombou novamente no mé-
Imaginem o que seria habitar num espaço partilha-
eles primeiro. E o mote fica dado. Este ato ignóbil é
dio oriente com o ataque do
Hamas a Israel. E aplico o termo im- do com alguém que declaradamente assume que nos assim um ato com o objetivo de um retrocesso e não
becilidade não por ofensa particular quer eliminar! de defesa dos palestinos.
ao Hamas, ainda que fosse merecida pelo móbil e Mas voltando às pontes de entendimento, em parti- A via do entendimento é a única solução em que
formas de atuação, muito menos aos palestinos, cular com a Arábia Saudita. Esta vitória diplomática cada parte tem de assumir a responsabilidade de não
merecedores que são do nosso respeito como qual- cria também uma fratura no mundo muçulmano, deixar as forças retrógadas e violentas nos respetivos
quer outro povo, mas sim pela inutilidade selvática onde o Irão, sempre com aspirações a ser o grande seios ganharem peso e influência neste processo.
de tal ataque. influenciador, e fazendo parte daquele grupo retró- Até lá só nos resta condenar veemente este ato, sem,
Vejamos bem: para que serve tal ataque? gado que pretende ver a eliminação de Israel – sem no entanto, perder de vista que ambos os lados po-
Estariam à espera de “eliminar” Israel? compromisso, realce-se – fica em desvantagem e iso- dem e devem chegar a um acordo.
É matando indiscriminadamente civis que encon- lado.
tram pelo caminho que ajudam à causa palestina? É Quem beneficia com este disparatada carnificina? A
matando indefesos, desarmados que não oporiam resposta pode ser simples, ainda que o Irão, que se
nem opuseram qualquer resistência? É circulando congratulou com o feito medieval, venha agora dizer
com prisioneiros ou mesmo cadáveres, violentando a que não influenciou em nada. Pela logística e prepa-
ambos passeando-os nas ruas de Gaza enquanto são ração feitas para este ataque não é demais pensar que
vilipendiados pela turba fanática comportando-se teve ajuda externa e não duvido que isso esteja a ser
como selvagens medievais – que digo eu, até na Idade devidamente rastreado.
Média já havia por vezes compostura – que realçam E não duvido que os líderes deste ato ignóbil terão
a sua causa? a vida a prémio. Este ato de violência gratuita acaba
O problema entre Israel e os muçulmanos à sua vol- assim por gerar uma resposta perturbadora, o ver-
ta tem vindo muito lentamente a ser resolvido. Tendo dadeiro objetivo por trás desta rasteira iniciativa. Os
em conta que uma análise séria e profunda não cabe- palestinos, ainda que eu perceba o que vivem, têm de
ria nestas linhas, e está longe do meu conhecimento, fazer uma escolha: ou se destacam de tal ato, o que
havendo matéria para estudo de fontes sérias sobre não significa desistirem da sua luta, pois têm direito
tal ao dispor do leitor que deseje aprofundar os seus a terem condições razoáveis de existência, ou coexis-
conhecimentos, não se vê outra solução do que um tência; ou se entregam a este ato e perdem qualquer
entendimento que leve à coexistência. Aqui não há moral na sua causa.
santos, e provavelmente teremos que revisitar um dia Percebe-se o lado dos palestinos, que nos acordos,
no futuro, com seriedade e sangue frio, todas as com- com tantos enclaves e controlos feitos pelos israelitas,
ponentes do que foi feito. têm impacto socioeconómico pesadíssimo. Mas ao
Mas até lá temos que lidar com a realidade. mesmo tempo não podem esperar que os israelitas
E a realidade é que Israel e alguns estados islâmicos baixem as armas se permitem que grupos de violên-
têm vindo a tecer pontes de entendimento, sendo o cia gratuita persistam na sua sociedade.
mais recente com a Arábia Saudita. Sabemos tam- O apoio a estes grupos mancha de forma drástica
bém que o mundo muçulmano vive uma convulsão qualquer simpatia ou empatia pela sua causa tornan-