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10   CRÓNICA                          LA VOIX DU PORTUGAL LE 23 NOVEMBRE, 2023 |  23  OF NOVEMBER OF 2023 THE VOICE OF PORTUGAL
                                                                                              RD
        O NATAL QUE PASSEI COM O AVÔ ALBERTO




        HUMBERTO PINHO DA SILVA                           - “Sabe por que deixei de passar a Noite de Consoada   Novo silêncio, ainda mais prolongado.
                                                         com meus cunhados?”                               - “Os meus cunhados tinham posses. Podiam distri-
                avô de minha mulher, chegou ao Brasil, no   Aguardei a resposta. Certamente não esperava que  buir prendas caras… fiquei tão triste, que resolvi, des-
                início do século XX.                     lha desse: - “No início de casado – continuou cami-  de então, consoar só, com meus filhos e a Júlia…”
        O  Era jovem e cheio de ambições. Estreara-se  nhando pelo jardim, parando junto à porta da gara-  Neste momento a voz embargou-se, e uma lágrima
        no jornalismo, em Portugal, num jornalzinho de bair-  gem, – todos os irmãos reuniam-se na noite de Natal.  envergonhada, aflorou, deslizando suavemente, pela
        ro: “O Garnisé”.                                 Era uma bonita festa! Ceávamos; conversávamos… e  face envelhecida.
         Como o primo fosse editor de semanário de inspira-  noite velha, chegava o Pai Natal, com saco repleto de   Compreendi; e pensei: quantos irmãos se separam,
        ção monarquista, passou a colaborar nele, mantendo  presentes, para as crianças.”                 por essa e outras razões, como tais?
        coluna, que assinava com o pseudónimo de: Urbano”.  Neste momento fez uma pausa. Silêncio prolongado.  Como é difícil, para quem vive folgadamente, enten-
         A razão de não usar seu nome nas crónicas, é simples   - “Tudo corria bem…até que certa vez, minha filha  der as dificuldades dos outros! …
        de explicar: o jornal pertencia a movimento monár-  mais velha, interrogou-me muito agastada: “Não é jus-  Quantas vezes, humilhamos, o próximo, sem o saber?
        quico, e ele era republicano, de sete costados.  to! Papai Noel dá-me sempre roupinha, enquanto mi-  Assim se vão afastando, os irmãos…  os primos…os
         Seria? Creio que era apenas um jovem, apaixonado  nhas primas recebem bicicletas! …”             parentes…
        pelas “Letras”; o que queria, era escrever…
         Empregou-se, no Brasil, no escritório de fábrica de
        produto alimentício.
         Como colaboradora, tinha a filha do proprietário.
        Uma jovem bonita e simples. A idade; o convívio; o
        facto da mãe de ambos, terem sido amigas, na infância,
        tornaram-se íntimos.
         Dessa amizade, resultou o casamento.
         Numa das minhas estadias, a São Paulo – em véspera
        de Natal, – encontrei-o no jardim da sua bela casa de
        Alto de Pinheiros, junto ao canteiro dos junquilhos.
        Seus cabelos brancos lampejavam, batidos pelo sol
        morno da manhã.
         Conversamos sobre a economia do seu querido Por-
        tugal. De repente, encarando-me com os seus belos
        olhos verdes – verdes como formosas esmeraldas,
        – encrustados no rosto moreno, queimado pelo Sol,
        disse-me que ia revelar-me um segredo, que há muito
        vivia com ele; quiçá, pensando na minha condição de
        rapaz pobre:
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