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A VOZ DE PORTUGAL | 11 DE JANEIRO DE 2024                                                CRÓNICA       3
        2024: Portugal no impasse




                     JORGE CORREIA                       os pseudo-analistas que quando confrontados com os  gia-se mesmo, um discurso inspirador e mobilizador
                     Cronista do jornal                  fracos indicadores de performance do país procuram  das mais belas e elevadas forças e sentimentos do es-
                                                         ufanamente por um simples aspeto que tape o sol da  pírito português, de tal forma que a falta de caráter se
                           ste  novo  ano  marcará  os  cin-  realidade decadente de Portugal, que escorrega cons-  sentisse diminuída e aqueles que têm valor, de caráter
                           quenta anos da revolução dos  tantemente na escala dos países europeus, nomeada-  e competência, se sentissem motivados e amparados
                     Ecravos. Haverá eleições legisla-   mente os do leste europeu que ultrapassam sucessiva-  no esforço que é necessário para transformar o país e
                     tivas a 10 de Março.                mente Portugal. Tapam assim o sol com a peneira. Isto  aqueles que têm dúvidas e receios tivessem uma sobre-
                      Antes,  em  Fevereiro,  haverá  eleições  é mais que um problema geracional, pois vemos novos  dose de esperança que há algo de melhor pelo que vale
        nos Açores para o governo regional. Em junho teremos  atores políticos à frente dos partidos que referem pre-  a pena lutar. Infelizmente, não correspondeu.
        eleições para o parlamento europeu.  Olhando para  tender “estabilidade”, “consolidar”, “continuar...”, tudo   Na primeira república, face aos sucessivos impasses
        aquela época subsequente à revolução – cuja realida-  isto sinónimos de persistir nos erros que conduziram  políticos que afundaram o país ainda mais na misé-
        de ainda vivi vestígios bem vivos numa aldeia da Beira  à decadência atual, reflexo de decadência passada.   ria, os militares foram quem desempatou, depois com
        Alta – e para o que Portugal é agora não há dúvida que   Os serviços públicos desmoronam perante os olhos  a instalação de um regime ditatorial. Vivemos uma
        a evolução é significativa e visível. As infraestruturas,  de todos, mas há que dizer o contrário até à exaustão,  situação similar mas sem militares e inseridos numa
        desde redes de saneamento a estradas, da rede elétrica  talvez eles se melhorem por si mesmos.    ordem europeia com obrigações e mecanismos dife-
        à cobertura pelas telecomunicações deram um salto   A carga fiscal aumenta a olhos vistos sentida por  rentes da altura.
        astronómico. A modernização instalou-se em múlti-  todos, mas há que repetir o contrário até à exaustão,   A troika foi um exemplo do que é necessário refor-
        plos setores com a internet e consequente digitaliza-  com exemplos ridículos de outros países de carga fiscal  mar no país, mas rapidamente revertido assim que co-
        ção. Não esqueçamos, tudo à custa de fundos comu-  elevada mas com serviços públicos e organização de  meçámos a caminhar com os nossos próprios passos.
        nitários que nos deram o empurrão de modernização  níveis incomparavelmente superiores.           Significa que nada compreendemos. Significa que a
        que vemos hoje. Mas como em todos os casos em que   Falando na organização, esta está completamente  atual classe política, mesmo de uma geração mais re-
        alguém obtém um benefício sem que tenha debitado  desbaratada pois o capital humano, principal fator  cente, nada compreende. Significa que o futuro se en-
        esforço para tal, Portugal esqueceu-se de transformar  para organizações eficientes e eficazes, é  completa-  contra seriamente em dúvida.
        o seu principal ativo: os portugueses. Transformou-se  mente ignorado, mal tratado, em prol das simpatias   No mundo atual, onde é manifesto o atraso moral
        o exterior mas o interior manteve-se. Os vícios, assim  pessoais, políticas ou por interesses.    e ético face às suas conquistas tecnológicas, onde as
        como as virtudes, mantiveram-se. Este somatório,   A educação, com os resultados recentemente divulga-  atuais lutas colocam à prova coletividades inteiras,
        mantendo-se, conduz-nos aos mesmo resultados das  dos dos testes PISA tiveram os seguintes comentários:  onde o divisionismo está a chegar mesmo aos nossos
        décadas e dos séculos anteriores: a mediocridade. Mal-  catastrófico, demolidor, degradação. Professores uni-  círculos mais próximos, onde antigamente se poderia
        baratando o empurrão que Portugal recebeu, por não  versitários com décadas de experiência não se cansam  discutir opiniões diferentes com emoção mas sem hos-
        estar preparado para a transformação exigível, espec-  de comentar a fraquíssima qualidade dos alunos que  tilização, onde a Humanidade se encontra interligada
        tável e necessária para o progresso, encontramo-nos  saem do secundário, que se tornou um entretenimento  e nada acontece sem que afete o resto do planeta, mais
        numa estagnação que dura décadas com PS e PSD os  e não um centro de ensino e educação: ensino de fer-  do que nunca é necessário estar preparado e ser capaz
        maiores responsáveis: o primeiro pela quantidade de  ramentas para desenvolver o conhecimento, educação  de se destacar pela positiva.
        tempo que teve e tem tido, assim como as oportunida-  de qualidades do aluno, nomeadamente trabalho, es-  Temos um novo ano, e a minha pergunta é: até quan-
        des perdidas; o segundo porque não é capaz de criar  forço, responsabilidade e mérito.            do Portugal, continuarás a atrasar o teu próprio pro-
        nenhuma alternativa. Ambos são irresponsáveis pois   E onde encontraremos nós o fio condutor para uma  gresso?
        não aprendem com os erros, pior, nem sequer fazem o  mudança, ou pelo menos, o incentivo para o reconhe-  Será este o ano em que mudarás de curso?
        necessário exame de consciência, das ações passadas e  cimento da necessidade de uma mudança, de um pro-  Receio responder à minha própria questão...
        da orientação presente que insiste e persiste nos erros  gresso?
        passados. Temos os partidos de protesto: o partido co-  Certamente não nos agentes atuais agentes políticos,
        munista (PCP), bloco de esquerda (BE) e Chega (CH).  nem na atual presidência da república, por muito que
        O primeiro, congelado num passado que não é mais,  custe aceitar. Marcelo Rebelo de Sousa, com um trajeto
        pretende recriar um mundo que desmoronou onde  escolhido pelo próprio de cumplicidade prática com
        quer que tenha existido, não por má vontade daqueles  uma governação caótica nos últimos oito anos, dimi-
        que tentaram, mas simplesmente pelas inúmeras defi-  nuiu-se para o papel de reformador, ou de instigador
        ciências, algumas críticas, na ideologia que apregoa. O  à reforma, que seria necessário ao país. Mas desenga-
        BE padece do mesmo erro, com uma arrogância moral  nem-se aqueles que acham que esta estratégia não foi a
        tão lamentável quanto perigosa, munido de um apego  mais querida do presidente. Foi e continua a ser, pelos
        ideológico que o cega face à realidade. O CH é uma  repetidos apelos à “estabilidade” e pelo recente discur-
        reação idêntica àqueles dois partidos, mas de sentido  so de Ano Novo.  Neste discurso fica selada a incapa-
        oposto,  daí  a  natureza  centralista,  estatista  e  inter-  cidade do presidente, a sua impreparação para as ne-
        vencionista comum. Todos criam e propagam as suas  cessidades que estes tempos exigem de Portugal. Não
        causas, sem quererem saber a causa das suas causas e  admira assim um discurso que considero pobre, mais
        quando a sabem preferem a desonestidade intelectual  virado para o passado, sem visão, sem chama, sem
        para manterem o fervor do protesto nos seus acólitos,  entusiasmo e sem capacidade de mobilização. É mais
        cegos que seguem cegos. Sobra a iniciativa liberal, par-  do que claro que às generalizadas falta de visão e de
        tido que ainda não encontrou o seu trilho e por isso  competência que caracteriza a maior parte dos perso-
        sofre as agruras da juventude e as vicissitudes da por-  nagens políticos, adiciona-se um problema de caráter
        tugalidade; o partido pessoas animais e natureza, uma  que tem se vindo a agudizar e que nada nem ninguém
        curiosidade política, num paradoxo entre o incom-  se sente capaz de enfrentar. Para isso esperava-se, exi-
        pleto e o capaz de albergar tudo e todos; o livre, um
        rebento de fundo socialista, com pequenas variações
        com as quais se pretende diferenciar do PS, BE e PCP
        sem deixar de padecer dos mesmos males. O conceito
        distributivo sem preocupação pelo produtivo conta-
        gia toda a classe política, que embriagada pelo poder,
        instalou-se num processo simbiótico com a popula-
        ção, amorfa e desejosa de ter sem o esforço necessário,
        adversa ao risco e pedinte por natureza, esquecida que
        está que nada se obtém sem o velho “arregaçar as man-
        gas”. Portugal quer sol na eira e chuva no nabal. Será
        isto verdade? Basta ver os comentaristas de serviço,
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