Covid-19: Um extraordinário mundo de receitas milagrosas, vacinas e muitas charlatanices

Presidentes, videntes e empresários de ocasião garantem ter a cura milagrosa para conter a doença – que o diga Andry Rajoelina, o líder de Madagáscar.

Que podem ter em comum Jair Bolsonaro, o Presidente do Brasil, e Alexander Lukashenko, o seu homólogo da Biolorrúsia? A pergunta é retórica por ambos terem já dito o que pensam da atual pandemia. O primeiro chamou-lhe “resfriadinho” e garante que “Deus é brasileiro”, logo não pode haver drama algum no seu país com a doença. O segundo já receitou vodka, hóquei no gelo e trabalho ao ar livre, de preferência em cima de um trator, para erradicar o maldito SARS-CoV-2. E quem o contraria vai preso ou é metido à força num hospital, como aconteceu com Alexander Loban, um médico que pôs em causa as estatísticas oficiais e sugeriu que se fechassem as fronteiras bielorrusas.

Sucede que Bolsonaro e Lukaschenko acabam de ganhar uma inesperada concorrência, graças a Andry Rajoelina, o Presidente de Madagáscar. A 20 de abril, numa transmissão televisiva com toda a pompa e circunstância, o governante que já foi empresário de espetáculos anunciou que o seu país está na posse de um fármaco com propriedades preventivas e curativas contra o novo coronavírus – apropriadamente chamado Covid-Organics. Desenvolvido pelo Instituto Malgache de Investigação Aplicada (IMIA), trata-se de um produto feito à base de folhas secas de artemisia annua, uma planta que está na base da artemisinina, substância usada em algumas terapias contra a malária, e que pode ser ingerido como se fosse um refrigerante engarrafado (ao módico preço de 36 cêntimos) ou uma infusão em saquetas (cada caixa por 2,44 euros). “Esta tisana dá resultados em sete dias”, afirmou Rajoelina perante ministros, diplomatas e jornalistas antes de sorver vários goles da bebida supostamente milagrosa que ele pretende ver distribuida e consumida em larga escala na ilha, em primeiro lugar pelos alunos do ensino primário e secundário.

A história promete não acabar bem: o remédio “vita malagasy” (made in Madagascar) vai entrar no mercado sem terem sido feitos ensaios clínicos validados pela comunidade científica, com a agravante de não se conhecerem sequer os pormenores dos testes realizados no IMIA. Motivos que obrigam os médicos da grande ilha ao largo de Moçambique a estarem céticos e preocupados com a saúde da população: “É impossível montar em quinze dias, ou num mês, um ensaio clínico digno desse nome sobre as virtudes da artemisia no campo da Covid-19, algo que é inteiramente desconhecido”, afirmou ao diário Le Monde Pierre Lutgen, um investigador doutorado em química e especialista nas propriedades da planta que Madagáscar exporta em larga escala para a China e não só.

“Esta tisana dá resultados em sete dias
Andry Rajoelina, perante ministros, diplomatas e jornalistas, antes de sorver vários goles da bebida supostamente milagrosa que ele pretende ver distribuida e consumida em larga escala na ilha, em primeiro lugar pelos alunos do ensino primário e secundário.

Para desacreditar ainda mais Rajoelina ficou a saber-se que o Presidente tinha já afirmado que o seu país iria “mudar a história de todo o mundo” graças a informações privilegiadas que recebera sobre o novo coronavírus. Inicialmente, pensou-se que ele estaria a referir-se aos estudos sobre a medicina tradicional e às diferentes terapias alternativas com ervas indígenas a que a população recorre com demasiada frequência. Afinal, a culpa de todo este reboliço pode dever-se a uma misteriosa pastora evangélica brasileira que a revista The Africa Report identificou como Joana Andrea de Araújo. Ao que parece e de acordo com o depoimento de dois pilotos que transportaram a criatura pelos céus do território, em novembro, ela aproveitou essa viagem para elaborar uma teoria apocalíptica: o mundo estava prestes a viver uma pandemia e a cura estava em Madagáscar. Uma tese que deu origem a um oportuno documentário, de 18 minutos, que passaria, a 16 de abril, na Vivo TV, estação fundada pelo chefe de Estado em 2007, meses antes de se lançar na política.

Este caso pode vir a comprometer a carreira pública de Rajoelina. A não ser que ele pretenda seguir o exemplo de personalidades com dotes esotérico-religiosos que dizem conhecer o antídoto para a Covid-19. O aiatola Abbas Tabrizian, às vezes descrito como o “pai da medicina islâmica” no Irão (e com alguns admiradores próximos do líder Supremo do país), anda há dois meses a explicar que óleo essencial de violeta pode conter o vírus. O procedimento para a sua aplicação tem dado polémica e chalaça em doses equivalentes: embeber o líquido em algodão e usá-lo, diariamente e à noite, como se fosse um supositório. Guillermo Maldonado, Jim Bakker e Kenneth Copeland, três tele-evangelistas milionários apoiantes de Donald Trump, têm métodos menos invasivos. Mas não toleram que os seus seguidores tenham dúvidas em matéria de fé. Copeland diz-lhes que basta assistirem aos seus sermões televisivos para que fiquem curados de qualquer maleita. Bakker pedia-lhes que comprassem um gel tão especial que ainda se habilita a passar uma bela temporada atrás das grades. Quanto a Maldonado, o “apóstolo” que dirige o “Ministério Internacional Rei Jesus” e a “Universidade Ministério Sobrenatural”, afiança que ninguém pode ser contagiado se acreditar nele e pagar a dízima à sua congregação.

Expedientes made in USA que, com as devidas distâncias, também se podem encontrar nos países ditos em desenvolvimento. Papa Amanveba, grande mestre vudu e de outras artes divinatórias, no Benim, alega ter descoberto uma substância capaz de eliminar o SARS-CoV-2 em sete a 16 dias. Ao diário Le Monde, no início do mês, explicou que cobra 1524 euros pelo seu elixir que é enviado a qualquer domicílio no mundo, desde que se faça a devida transferência para uma conta da Western Union.
Por ser “um homem íntegro, sério e honesto” Papa Amanveba acaba entretanto de se desdizer e anunciar no seu site pessoal que não há “nenhuma tisana ou tratamento para remediar este vírus”. Um ato de contrição que contrasta com o admirável mundo de negócios e esquemas ilícitos à volta da pandemia. Tem dúvidas? Experimente comprar a maravilhosa “lâmpada UVC Anticoronavírus 38W” e depois não se queixe.