CRÓNICA AO SABOR DA VIDA: Joviano Vaz

Devido aos critérios de selecção que estabeleci, tive de deixar de fora da Antologia Literária Satúrnia muitos autores que gostaria de ter incluído. Um deles foi Joviano Vaz, poeta de fina sensibilidade e apurada visão da vida.
Quando nos encontrávamos, não me fartava de encorajá-lo: quando é que sai esse livro? perguntava. Ele olhava-me com aqueles seus olhos sonhadores e sorria: qualquer dia, era a sua resposta usual. Só que esse dia nunca chegou, o máximo que eu consegui foi que ele me enviasse algumas das suas poesias por correio electrónico, que eu me apressei a colocar na minha página na net e a que dei o título sucinto de “Poemas”.
Mas quem foi Joviano Vaz, um homem que gostaria de ter sido padre como confessava nos momentos de maior misticismo? Para o caracterizar, recolhi alguns trechos do texto que sobre ele escrevi para o livro “Rostos Olhares e Memória” que já ajudam a encontrar algumas pistas sobre tão complexa personalidade.
«Nasci em S. Miguel, na freguesia da Feijão de Baixo, no dia 18 de Outubro de 1932. Tive uma infância relativamente boa, o meu pai era militar, sargento ajudante músico da Banda Militar dos Açores que depois foi transferida para a Madeira. Portanto, vivi também três anos na Madeira até que por morte do meu pai voltei para a ilha de S. Miguel. Aí fui à escola primária, depois o liceu Antero de Quental e frequentei em seguida a Escola Normal de Ponta Delgada onde acabei por tirar o curso de professor primário.
Entretanto, a minha vocação radiofónica pode-se dizer que nasceu comigo. Em S. Miguel, enquanto estudava, fiz parte do pessoal do Emissor Regional dos Açores e mais tarde fiz reportagens para o Emissor Asas do Atlântico e para o Rádio Clube de Angra.
Mas aos vinte anos nós temos sonhos e ambições de juventude, acreditava em ideologias que prometiam mudar o mundo e sentia-me mal num país onde existia o delito de opinião e onde não tinha a possibilidade me exprimir como gostaria. Já então colaborava também no jornal A Ilha e, com a censura existente, sentia-me oprimido com a falta de liberdade, pelo que resolvi vir para o Canadá. Deixei tudo aquilo de que gostava, inclusive o meu trabalho de responsável da secretaria do Museu Carlos Machado, em Ponta Delgada.
Portanto, aqui cheguei acompanhado da minha esposa e do meu filho, no dia 17 de Outubro de 1965.»
(…)
«Tenho aqui, no Canadá, um percurso verdadeiramente curioso. No princípio, comecei por lavar pratos num restaurante, fui também vendedor de móveis e acabei por encontrar emprego no hospital Maisonneuve-Rosemont, no departamento de radiologia.
Mas as minhas ambições não se ficaram por aqui, à noite fui estudar para a universidade de Montreal onde conclui um bacharelado em relações industriais, um certificado em relações públicas e outro em animação cultural.
Enriquecido com estas habilitações, consegui emprego como director-geral da Société St-Vincent de Paul, lugar em que permaneci durante sete anos. Mais tarde, fui também director-geral do Comité Provincial des Malades.
Foi neste último emprego, em contacto mais estreito com o sofrimentos dos meus semelhantes, que ressurgiu mais intensamente a vocação que me levou, após três anos de estudos, a ser ordenado diácono, em 1988. Era uma velha vocação que estava adormecida. Chegado a esta idade, estou convencido de que, de facto, o que gostaria era de ter sido padre.
Dois anos depois de terminado o diaconato e porque já tinha formação como animador, fui convidado para dar cursos de animação aos alunos do seminário onde as minhas aulas, que sugeriam uma maior abertura ao mundo, não foram muito bem recebidas. Os tempos ainda não estavam maduros para tal ousadia.
Paralelamente com a minha vida profissional, dediquei sempre muito tempo ao jornalismo. Escrevi anos no jornal A Voz de Portugal e fiz muita rádio, cerca de quinze anos na Radio Centre-Ville, algum tempo no CFMB e até alguns programas na televisão portuguesa, no tempo do Carlos Querido.»
Também foi um dos fundadores do Centro Português de Referência e Promoção Social e da Casa dos Açores, para além de animador de eventos culturais onde ficou assinalado pela sua veia de declamador.
Nos últimos anos de vida, tinha a intenção de finalmente publicar um livro de poesias e de se implicar noutros projectos de cariz literária. Infelizmente, a morte veio surpreendê-lo quando ainda muito se podia esperar da sua criatividade.
Recordo que tinha ideias muito peculiares sobre a evolução da Comunidade portuguesa em Montreal. Aqui ficam, para reflexão, alguns pormenores:
«Sinto que os “intelectuais” da comunidade se afastaram. Integrados na sociedade de acolhimento, há quadros, médicos, engenheiros, gente qualificada que se afastou, como se tivessem vergonha de pertencer à Comunidade e que poderiam ser muito úteis para a fazer progredir.»
«Acho absolutamente lamentável que a Comunidade Portuguesa não tenha conseguido criar um hospital para pessoas idosas que, com imensas dificuldades em comunicar nas línguas da sociedade de acolhimento, se vêm de um dia para o outro, num meio estranho, com recursos físicos e morais extremamente limitados.»
Como pincelada final, reveladora da sua alma inquieta, aqui deixo uma parcela de uma das poesias inéditas que confiou à minha guarda:

No momento de atingir a meta
Esta foge, indecisa,
E deixa-me sozinho
Nesta noite interminável.
Oiço bater as horas
E nada mais.

Escrito por Manuel Carvalho