E se aquele desabafo de Cristiano Ronaldo não tivesse acontecido?
A minutos do Portugal-Suíça, Fernando Santos garantia que a saída do capitão do onze nada tinha a ver com isso e que a titularidade de Gonçalo Ramos era uma mera opção estratégica.
A dúvida, por mais que se diga o contrário, ficará sempre no ar, mais até porque, até hoje, o avançado de 37 nunca tinha começado um jogo de Portugal a contar para a fase a eliminar de uma grande competição no banco de suplentes.
Sem o capitão e com três golos de Ramos, que com 21 anos assinou a exibição de uma vida, Portugal arrasou a Suíça por expressivos 6-1, fez a sua melhor exibição deste Mundial e no próximo sábado vai defrontar Marrocos sem o peso nas pernas que terá a seleção africana, forçada a duríssimos 120 minutos com a Espanha também nesta terça-feira.
Quatro dias depois da derrota com a Coreia do Sul, Fernando Santos fez oito alterações no onze num jogo em que houve mais ganhos para além da vitória expressiva. Individualmente, pelas exibições de Ramos, Félix ou do consistente Dalot; coletivamente, com Portugal a apresentar um dinamismo poucas vezes visto nos últimos anos; a nível anímico, com a Seleção altamente moralizada depois de uma vincada declaração de intenções que deve ser levada a sério por todos os pretendentes ao trono de França.
Os primeiros minutos do Portugal-Suíça foram os mais equilibrados de todos e faziam antever uma noite longa, tese que Gonçalo Ramos tratou de refutar aos 17 minutos, quando recebeu de João Félix, rodou rápido e atirou forte de pé esquerdo para o 1-0.
A partir daí, Portugal lançou-se a alta velocidade para uma noite memorável. Na defesa, Pepe e Rúben Dias estiveram insuperáveis; no meio-campo William e Otávio foram pendulares; no ataque, Félix esteve ligado à corrente, aparecendo sempre no lugar certo para iniciar desequilíbrios.
E Ramos? Bem, Ramos fez história, (também mas não só) ao tornar-se no português mais jovem de sempre a marcar em fases a eliminar de Mundiais.
O segundo de Portugal, de Pepe aos 33 minutos após mais uma assistência de Bruno Fernandes neste Mundial (a terceira), não foi mais do que a consequência natural dos acontecimentos. Quando aconteceu, Portugal já justificava o segundo diante de uma Suíça que, muito por culpa da dinâmica lusa, nunca teve a precisão que fez dela uma das equipas mais constantes do velho continente nos últimos anos.
A boa notícia para os helvéticos ao intervalo era o 2-0 no marcador, resultado escasso face ao que se tinha visto nos 45 minutos iniciais e que os mantinha a um golo de renascer no jogo.
A má era que nada mudou no regresso dos balneários. Ramos fez o 3-1 aos 51m e logo a seguir Raphael Guerreiro assinou o quarto em mais um momento de futebol-total lusitano.
Depois, Portugal serenou. Akanji reduziu para a Suíça ainda antes da hora de jogo e durante alguns minutos (poucos) a Seleção pareceu vacilar. Fernando Santos torceu o nariz, esbracejou e a partir daí Bernardo Silva, discreto até então, assumiu o protagonismo a meio-campo, lançando as bases para o 5-1 finalizado com categoria por Gonçalo Ramos após nova combinação com Félix. No Estádio Lusail já se gritava por Ronaldo e Fernando Santos fez entrar o capitão, talvez mais a pensar em Marrocos do que em fazer a vontade do público. Sim, porque todas as decisões, como a de deixar o 7 de fora, devem ter por base fundamentos coletivos.
Ramos, Félix e o regressado de lesão Otávio foram descansar – mais tarde juntaram-se-lhes Bernardo e Bruno – e daí para a frente o jogo caminhou com Portugal a gerir e uma Suíça rendida e ansiosa à espera que o tempo se esgotasse. Mas não se esgotou sem mais um de Portugal, de Rafael Leão já nos descontos para fechar uma exibição histórica que, por acaso ou talvez não, foi consequência de uma decisão também ela histórica.