Lenda De Santa Joana Princesa

Nasceu D. Joana em Lisboa e, como filha primogénita de D. Afonso V, foi considerada herdeira do Reino até ao nascimento do príncipe D. João. Sua mãe, D. Isabel, faleceu era ela menina de três anos e por esta razão foi D. Joana educada por sua tia, com todos os primores que devem pôr-se na educação de uma herdeira real.

Desde muito cedo a princesa revelou grande devoção religiosa e, apesar da sua posição a obrigar a viver na Corte, preferia manter-se afastada o mais possível do convívio cortesão. Consta a tradição que passava muitas horas dos seus dias frente a um oratório que lhe deixara sua mãe, em oração e meditação. Diz-se que ainda era menina quando decidiu adoptar como divisa sua uma coroa de espinhos.

Belíssima como era, e herdeira do então próspero Reino de Portugal, D. Joana teve inúmeros pretendentes à sua mão, todos eles herdeiros de tronos europeus ou grandes senhores. Porém, a todos afastou com brandas desculpas: a uns dizendo-lhes ser ainda muito jovem, a outros alegando ser presumível herdeira do Reino. Mais tarde, quando estas razões deixaram de ter cabimento, manteve a recusa alegando o seu firme desejo de se tornar religiosa. Quando D. Afonso V, em 1471, partiu para o Norte de África no comando de uma expedição de conquista, a princesa, dado que D. João era ainda menor, ficou como regente do Reino. Diz-se que quando o Rei chegou vitorioso D. Joana solicitou a seu pai que a recebesse porque desejava fazer-lhe um pedido.

D. Afonso, que tinha por esta sua filha um amor desmedido, recebeu-a de imediato, autorizando de antemão o pedido, cujo teor desconhecia. E D. Joana dirigiu-se-lhe dizendo: –Meu pai e senhor, sempre foi costume, mesmo entre os príncipes gentios, oferecer a Deus alguma coisa estimada em acção de graças pelas vitórias conseguidas.
E com mais razão o deve fazer um rei cristão e um rei tão pio como é Vossa Alteza, por divina misericórdia. Vivendo eu na certeza do muito que vós me amais, rogo-vos humildemente que em reconhecimento dos grandes benefícios que deveis ao poderoso Deus dos exércitos, lhe façais generosa oferta da minha pessoa, permitindo que eu lhe consagre perpetuamente a minha virgindade. Este é o meu maior desejo e espero que Vossa Alteza, meu pai, me conceda esta graça num dia de tanta glória para mim e para todo o Reino! D. Afonso, apesar de tudo, não esperava tal pedido. Contudo, o requerimento foi posto com tal arte pela princesa que, embora relutantemente, o Rei viu-se obrigado a autorizar o pedido que lhe era feito. Deste modo entrou D. Joana para Odivelas, trocando mais tarde este convento pelo de Santa Clara de Coimbra, até que por fim mostrou desejo de professar definitivamente no convento de Jesus, em Aveiro.

Esta última resolução foi, porém, fortemente combatida quer pela família real quer pelos representantes do povo. Tanto el-Rei como o príncipe D. João discordaram da sua escolha, porque o Convento de Jesus era muito pobre e pouco condigno de senhora de tão alta linhagem. Quanto aos povos, esses protestavam contra o desejo expresso por D. Joana em professar, lembrados ainda dos difíceis tempos da guerra com Castela, ciosos da independência de Portugal que tantas dores lhes custara. Ante todas as dificuldades postas ao seu projecto, pela família e pelos povos, a princesa comprometeu-se a não professar definitivamente e jurou publicamente, para sossego do Reino, manter até à morte o véu de noviça. Manteve, porém, a exigência de se mudar para Aveiro, para o Convento de Jesus. D. João, assim que foi alçado Rei, deu a sua irmã o senhorio de Aveiro para que pudesse sustentar-se condignamente. Contudo, a princesa não quis nada para si própria e continuou a viver humilde e pobremente, lavando loiça, varrendo, transportando lenha. Todo o seu rendimento empregou-o auxiliando quanto pobre e miserável batia à porta do convento.

De tal modo cuidava dos infelizes do mundo que em breve a designaram Santa. Certo dia, conta a lenda, adoeceu a Princesa Santa. Tinha então 38 anos, e diz-se que morreu corroída pela peste. Contudo, os povos de Aveiro crêem que a sua Santa morreu antes envenenada por um mariola que ela fizera castigar por libertinagem e actos reprováveis.

A verdade é que a Senhora de Aveiro, a Santa amiga de muitos pobres e mendigos, morreu rapidamente no meio de sofrimentos atrozes, que, contudo, não lhe alteraram a beleza serena do seu rosto ímpar. E quando o seu enterro passou nos jardins do Convento de Jesus, que ela tratara com pormenorizado amor, deu-se um facto milagroso: todas as flores caíram sobre o caixão como que prestando a sua última homenagem à real Senhora que delas tratara como uma vulgar camponesa. Foi realmente um facto espantoso e jamais visto este milagre das humilíssimas flores suicidando-se colectivamente numa mansa e silenciosa chuva de pétalas! Imediatamente após este facto milagroso, as populações começaram a atribuir à sua princesa inúmeras benesses e maravilhas.

Assim, cerca de duzentos anos após os factos relatados, o papa Inocêncio XII beatificou esta princesa de Portugal, designando-a como Beata Joana Princesa, cujo culto ainda hoje se mantém vivo em muitos altares por este país fora, muito especialmente em Aveiro.