Paralelo 38: Nos Açores, prevenir é o melhor remédio

Contrariamente ao Governo da Região, o Governo da República não esteve bem ao não considerar as contingências arquipelágicas. Os Açores, 9 ilhas, isoladas do mundo e cada uma delas isolada das outras, dispõe apenas de três unidades hospitalares e de uma única unidade para cuidados médicos de doenças infeciosas. O arquipélago está a duas horas de avião de Portugal continental…

Recordo-me, como se fosse ontem, de uma obra de saneamento básico que, há muitos anos atrás, a Câmara Municipal de Ponta Delgada encetou na Rua António José de Almeida, artéria nobre da cidade da ilha de São Miguel, por descer do centro da urbe até à Igreja Matriz, Portas da Cidade e avenida marginal. Este empreendimento camarário terá sido provavelmente o mais impopular que alguma vez houve nesta cidade vindo de uma entidade pública, com a agravante de ter ocorrido em vésperas de eleições autárquicas. A Câmara, embora muito criticada, mas posteriormente aplaudida, escavacou a rua de cima a baixo, impedindo as trocas comerciais habituais do comércio na zona. O Presidente da Câmara na altura revelou grande sentido de responsabilidade e muita coragem.
Hoje, passadas três décadas e meia, noutra escala bem mais assustadora, testemunhamos um empreendimento, que, do ponto de vista da coragem política, destrona o “escavacanço” da Rua António José de Almeida. Vasco Cordeiro, o Presidente do Governo Regional dos Açores, surge nas rádios e televisões, no passado dia 2 de abril, a anunciar cercas sanitárias nos seis concelhos da ilha de São Miguel. E, tão depressa o anunciou, imediatamente passou à ação. Em poucas horas os seis concelhos da ilha: Ponta Delgada, Lagoa, Ribeira Grande, Vila Franca, Povoação e Nordeste, salvo exceções que se prendem com determinados serviços e com a saúde, estavam fechados sobre si próprios, não obstante os inconvenientes sociais, económicos e políticos que essa decisão possa trazer. Era preciso, fez-se!

António Costa negou a Vasco Cordeiro o poder de encerrar os aeroportos açorianos, surpreendentemente numa altura em que os Açores tinham apenas três casos de infetados – hoje o arquipélago tem sessenta e seis contaminados – obrigando o governante açoriano a revelar a sua verdadeira personalidade – dinâmico, determinado, de soluções rápidas, destacando-se, sobretudo, na seriedade e na coragem. Os açorianos dificilmente esquecerão este confronto.

Embora os aeroportos açorianos estejam abertos por imposição do Governo da República, o Governo Regional cancelou todos os voos do grupo SATA para o exterior do arquipélago e entre as ilhas, estando a operar apenas a TAP no transporte de pessoas provindas do exterior, que, chegadas ao arquipélago, saem do avião e são imediatamente conduzidas a um hotel para quarentena obrigatória. Estas medidas estancaram, quase por completo, o fluxo de passageiros, nomeadamente de turistas que continuavam a chegar às ilhas, apesar de todos os apelos para que ficassem em casa.

Contrariamente ao Governo da Região, o Governo da República não esteve bem ao não considerar as contingências arquipelágicas. Os Açores, 9 ilhas, isoladas do mundo e cada uma delas isolada das outras, dispõe apenas de três unidades hospitalares e de uma única unidade para cuidados médicos de doenças infecciosas. O arquipélago está a duas horas de avião de Portugal continental. Os açorianos são incapazes de enfrentar um surto epidémico desta violência sem implementarem medidas restritivas fortes que os protejam do perigo de contágio vindo do exterior. O isolamento atempado teria sido a melhor opção. Não aconteceu.

Vasco Cordeiro tem como Diretor Regional da Saúde Tiago Alexandre Lopes, que coordena todas as ações de combate a esta pandemia. Tiago Lopes é para os Açores o que Graça Freitas é para o restante país. A esmagadora maioria dos açorianos ouve-o na RTP Açores, em conferência de imprensa, todos os dias,  às 16 horas, quando faz o ponto da situação da evolução da doença covid-19 na região, e apresenta as medidas adotadas no combate e na contenção da disseminação do vírus.

A doença provocada pelo novo coronavírus surge, nos Açores, a 15 de março, com um caso na ilha Terceira. Nos dias seguintes, foram aparecendo novas ocorrências noutras ilhas. Até à conferência de Tiago Lopes, a 8 de abril, dia em que escrevo este texto, há 216 casos suspeitos e 68 casos positivos registados nos Açores, 35 em São Miguel, 11 na Terceira, 4 na Graciosa, 7 em São Jorge, 10 no Pico e 5 no Faial. Há catorze doentes internados nos hospitais, cinco deles nos cuidados intensivos. Entre estas pessoas, há um cidadão que foi notícia por ter testado positivo para o Covid 19 e que, consciente do perigo que constituía para os outros, evadiu-se da sua residência, na cidade do Porto, onde se encontrava em regime de hospitalização ao domicílio, e voou na TAP de Lisboa para Ponta Delgada, onde foi detido e de imediato hospitalizado. A Secretária Regional da Saúde, por orientação do Presidente do Governo Regional dos Açores, apresentará uma queixa-crime no Ministério Público contra este indivíduo, que será acusado dos crimes de desobediência, de falsas declarações e de eventual propagação de doença, incorrendo num crime cuja moldura penal pode ir de dois anos e oito meses a oito anos de prisão.

Até à data, são três as ilhas que não foram afetadas pela covid-19: Santa Maria, Flores e Corvo.

A Região Autónoma dos Açores tem presentemente 2 775 pessoas em vigilância ativa. São sete as cadeias de transmissão ativas, com dois casos na Terceira, um no Pico e quatro em S. Miguel.
Teme-se a entrada próxima numa fase de transmissão comunitária, o que obriga a região a entrar num período de mitigação. Há três doentes recuperados na Região, mas, lamentavelmente a morte de uma senhora idosa.

texto de João Gago da Câmara