Viúva Negra tem boas ideias, mas desperdiça o adeus de Scarlett Johansson

Não é apenas por causa da pandemia que estávamos esperando há muito tempo pelo filme solo de Natasha Romanoff. Deixada de escanteio em diversos filmes do MCU, a personagem de Scarlett Johansson na Marvel foi ganhando cada vez mais protagonismo até fazer sua melhor participação em Vingadores: Ultimato, quando – apesar de seu desfecho questionável – apresentou uma personalidade finalmente carismática. Anos depois, Viúva Negra chega aos cinemas (e ao Disney+) sem aproveitar de verdade a chance de explorar a espiã.
A proposta de retornar ao passado de Natasha é mais do que válida – estamos procurando as raízes de um papel por definição misterioso – e fazer com que a personagem vá atrás da libertação de outras mulheres que passaram por sua experiência é melhor ainda. Como sua última missão nas telas, a ideia é que Johansson consiga sair de cena com um sentimento de missão cumprida.

É infeliz, portanto, que tudo isso tenha sido envelopado no padrão mais genérico do MCU. Ao invés de aproveitar uma direção e um protagonismo feminino (inédito deste modo na franquia dos Vingadores até hoje), o estúdio se apoiou no seguro, em um clima que remete a Capitão América e o Soldado Invernal, sem criar uma energia única e justa para Natasha.

Em Viúva Negra, Natasha é reunida com seus “pseudo-parentes”, espiões russos com quem passou sua infância disfarçada como uma família tradicional americana. Logo após os acontecimentos de Capitão América: Guerra Civil, Natasha reencontra sua irmã Yelena, que a recruta em uma missão para salvar outras mulheres, vítimas do programa da Sala Vermelha. Aqui, o longa encontra o seu primeiro tropeço: a dificuldade de traduzir o tema de abuso no contexto do MCU.

A tarefa não era fácil, e Viúva Negra tenta tratar o assunto com certa sensibilidade. Por vezes, isso funciona, principalmente no terceiro ato, quando nossa protagonista encontra seu antagonista principal. Mas durante quase todo o longa, a analogia criada soa mais como uma obrigação do que um discurso real. Parte do problema está na escolha do tema em si: será que não poderíamos ter visto Natasha em uma missão pessoal que não envolva abuso? A ideia de levar a personagem feminina em uma jornada de autodescobrimento sem traumas ou tragédias ficará para sempre em um imaginário do que poderia ter sido.

A decisão do Marvel Studios também soa estranha exatamente pela insistência em não fazer da direção algo particularmente feminino, uma determinação que chama atenção principalmente nas cenas de ação. Comparado às visões de Mulher-Maravilha e Aves de Rapina, o trabalho de Cate Shortland não explicita a força física distintamente feminina. Por si, isso não é exatamente um problema.

As cenas de ação de Viúva Negra têm sim sua personalidade, e é uma que dá ênfase ao embate físico real e com consequências. Mas o padrão é a masculinização de sempre e nada disso é feito de modo realmente inovador ou chamativo (como Atômica fez recentemente, inclusive). (OMELETE)