A IDIOTIA AO DIA-A-DIA

Na tarde desta terça-feira, a quarta deste mês de maio, fui encontrar uma conversa de que participavam o major-general Carlos Martins Branco e a académica Sónia Sénica. Tal como logo imaginei, todo o debate foi muito mal conduzido, mormente por parte do jovem jornalista. E a consequência foi esta, em tudo idêntica a mil e uma outras: o militar quase não conseguiu exprimir o seu pensamento, no que foi uma situação inversa da concedida a Sónia Sénica, que pôde falar quase ininterruptamente.
Apercebi-me, já pelo final da tarde, que um tema havia sido colocado no seio das conversas ao redor da grande batalha da Ucrânia: quem está, neste domínio, do lado certo da História? A verdade, como facilmente se percebe, é que um tal tema é o que pode designar-se por um tema mal formulado, para o que basta ler, atentamente, obras as mais diversas sobre certos temas históricos, mormente se tal for operado muitas décadas depois dos acontecimentos narrados e estudados.
Brincando um pouco, a verdade é que no futebol, por exemplo, o lado (mais) certo do resultado é o dos sócios de quem vence o desafio, sejam os golos conseguidos com a mão, ou mesmo por via da corrupção, assim ela não tenha sido nunca um fator de dúvida judicial. Ou seja: não existe lado certo da História. E basta recordar, por exemplo, os ataques nucleares dos Estados Unidos ao Japão, que tiveram uma explicação por parte dos norte-americanos, mas sabendo nós que se colocou a hipótese de um ensaio para ser visto ao largo de Tóquio, ou mesmo em Los Alamos, ideias que foram postas de lado pelo receio de poder surgir um fiasco.
Ora, no meio desta infeliz brincadeira sobre o (mal formulado) lado certo da História, que só serviu para confundir mil e um, surgiu a questão, a dado momento colocada ao major-general pelo entrevistador: mas a Ucrânia não tem o direito, se quiser, de aderir à OTAN? Simplesmente, a verdade é que tal direito, que só poderá ser materializado se a OTAN assim aceitar, não é um direito absoluto. De resto, os direitos não são, de um modo imensamente geral, absolutos. Mas vejamos um exemplo simples.
Um dos nossos canais televisivos, há umas semanas, ofereceu aos portugueses interessados um documentário sobre Vladimir Putin. Não tendo visionado o documentário em causa – seria sempre enviesado –, também não duvido de que o mesmo só com imensa dificuldade não exacerbaria os aspetos apontados como piores no Presidente da Rússia. E, como facilmente se percebe, o referido documentário não comportou um ínfimo prejuízo nas relações luso-russas.
Acontece, porém, o que o leitor conhece à saciedade: ninguém nos oferece um documentário sobre a vida de Juan Carlos, mormente envolvendo os aspetos mais sórdidos da sua vida. E o mesmo se passa com a do Príncipe André, ou ao redor dos tais negócios tidos na Ucrânia por parte do filho de Joe Biden. De igual modo, surgiram programas sobre as Testemunhas de Jeová, tal como sobre a IURD (e em 10 episódios!), mas nunca sobre o amplo leque criminal há muito conhecido no seio de setores vastos da Igreja Católica Romana. Ora, estas realidades têm a sua razão de ser: é que tratar estes temas num canal televisivo português seria sempre olhado como um ato inamistoso para com os Estados de que fizessem parte as personalidades assim tratadas. É claro que os nossos canais têm o direito de abordar tais temas, mas fazê-lo seria sempre causa do surgimento de animosidades. Portanto, evitam fazê-lo.
Hoje, olhando um pouco para trás, recordo a tremenda dificuldade de José Alberto Carvalho, ainda na SIC, para abordar o modo de atuar da Comissão de Fiscalização dos Serviços de Informações, em conversa que estava a manter a distância com o académico conimbricense, José Francisco de Faria Costa, que foi quem acabou por ter de formular a pergunta e logo lhe dar a (sua) resposta. No fundo, o que ali comandou o comportamento do nosso jornalista acabou por ser algum tipo de autocensura, receoso de meter o pé na argola. E foi isto mesmo que fez o falecido Presidente Jorge Sampaio: nunca se pronunciou, publicamente, sobre a Guerra do Iraque, ao contrário do que fez o seu homólogo francês, Jacques Chirac.
De tudo isto, espero que o leitor perceba esta realidade extremamente evidente: a Ucrânia tem todo o direito em pretender aderir à OTAN, mas não deve fazê-lo. E foi o próprio Presidente Joe Biden que expôs, ainda antes de se operar a invasão pela Rússia, que tal ideia não vinha estando sobre a mesa decisória. Como muito bem expôs, também logo ao início, Ana Santos Pinto, a referida adesão à OTAN deveria também ser olhada, pela Ucrânia e pelos Estados Unidos, como algo suscetível de amedrontar a segurança russa. Foi o que se deu com a crise dos mísseis de Cuba, operada para equilibrar uma solução ao redor dos norte-americanos, já colocados na Turquia…
Por fim, o meu ponto de vista: a adesão da Suécia e da Finlândia à OTAN constitui um duplo erro, porque é desfavorável àqueles dois Estados e seus povos – passam a situar-se na mira nuclear da Rússia –, e porque acaba por adensar o espírito de confronto no mundo. O que o mundo destes dias requer é uma ampla concertação, mas virada para a reconstrução e o fortalecimento da Paz. Mas acaso vê o leitor o Ocidente interessado em materializar tal desiderato? Claro que não! Pois, se assim não fosse, nunca os Estados Unidos teriam violado a palavra dada por James Baker III, em nome dos Estados Unidos, a Gorbachev. E já vê, caro leitor: se a Rússia até invadiu a Ucrânia – houve razões para se ter chegado a este ponto –, já a China o não fez com Taiwan. A verdade, todavia, é que já por aí andam os Estados Unidos a pôr o início de fogo nas relações com a China. Mas será Joe Biden capaz de enxergar a capacidade de visão estratégica de Kissinger? Claro que não! Ponhamos, pois, um fim nesta ideia idiota de ter um Estado o direito de aderir a esta ou àquela estrutura supranacional.