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CRÓNICA                                   10 |   A VOZ DE PORTUGAL | TERÇA-FEIRA, 7 DE DEZEMBRO DE 2021
        DEMOCRACIA E CHINANA





                      HÉLIO BERNARDO LOPES               o mesmo. E compreende-se que assim seja, porque a  espaço percorrido por segundo. O valor a que cheguei
                      Jornalista em Portugal             oposição (ainda) não pode dizer ao que vem... Nós co-  foi de 45 m – um pouco acima. Em dois segundos,
                      A                                  desde que tenhamos boa memória histórica da III Re-  segundos. Ora a vítima sabia o sentido (único) do mo-
                                                         nhecemos a solução deste sistema de condições, mas  portanto, a viatura teria percorrido 90 m e 135 m em 3
                             passagem de Eduardo Ca-
                             brita pelo Governo de Antó-
                                                         pública e estejamos atentos ao que, quase sem oposi-
                                                                                                          vimento naquele lado da autoestrada, pelo que se lhe
                             nio Costa, como Ministro da  ção da Direita, nos vai sendo dito por André Ventura,  impunha operar como costuma ler-se nas passagens
                      Administração Interna, viu-se mar-  o único dirigente realmente conhecido do Chega!.  de nível dos comboios: parar, escutar e olhar. A uma
        cada por uma série de vicissitudes pouco comuns.   Esta saída de Eduardo Cabrita, pois, foi determina-  primeira vista, sem ter investigado o que quer que seja,
        Vicissitudes derivadas de acontecimentos de algum   da pela publicação da acusação do Ministério Público  o nosso infeliz concidadão Nuno Santos não terá pro-
        modo ligados à ação do seu pelouro ministerial, mas   ao motorista que conduzia a viatura em que viajava  cedido assim: se o tivesse feito, teria sempre vislum-
        também das típicas do modo de praticar a democra-  o ex-ministro. Como de um modo fortemente gene-  brado o carro na pista do lado esquerdo, lá mais longe
        cia em Portugal, agora que se está à beira de cum-  ralizado, a viatura seguia a uma velocidade acima do  ou cá mais próximo, e, natural e profissionalmente ex-
        prir meio século sobre a Revolução de Abril, ou de   limite máximo legal. O grande azar, sobretudo para  perimentado, não iria atravessar.
        caraterísticas temperamentais do próprio Eduardo   a vítima mortal, mas também para o motorista, foi a   A este propósito, conto aqui uma cena que presen-
        Cabrita.                                         morte de Nuno Santos. De imediato, sempre sem ser  ciei, mesmo em frente à Pastelaria Califa, na Estrada
         A  experiência  vem  mostrando  que  certo  setor  da  por razões ligadas à morte deste nosso concidadão,  de Benfica, numa das suas passadeiras. Acontece que
        Direita, e hoje já também da Extrema-Direita, já com  começaram os choradinhos, de políticos, partidos e  a rua é ali extremamente larga, talvez com seis faixas
        uma dominância forte sobre a grande comunicação  programas televisivos, aproveitando, sem um ínfimo  de rodagem no total. Encontrando-me do lado da pas-
        social – veja-se como Rui Rio teve de defrontar esta  de moral, a horrorosa situação em que aquela família  telaria, aguardando a condição legal para atravessar a
        fronda, completamente alinhada com o neopassismo  havia caído. Sem espanto para mim, nunca me che-  rua, assisti a um quarentão acompanhando sua mãe,
        radical de Paulo Rangel...–, se bate hoje, já abertamen-  gou a notícia de um qualquer movimento destinado  já com idade avançada, mas fazendo isto com o sinal
        te, pelo fim de tudo o que possa dizer respeito àquele  a amparar a família da vítima mortal, apenas vislum-  vermelho para os peões. Num ápice, ouviu-se um som
        acontecimento histórico que, verdadeira e intimamen-  bres dos choradinhos. Recordo bem as notícias dadas  seco de admiração, tendo percebido que se aproxi-
        te, nunca aceitaram. Há meia dúzia de dias, lá voltou a  quase desde o início: a viatura seguiria a 200 km/h – é  mava, velozmente – acima da velocidade legal – uma
        surgir a ideia de tratar o dia de 25 de novembro como  quilómetros por hora e não quilómetros.hora – e nal-  viatura vinda do lado de Sete Rios. Felizmente, o tal
        um feriado nacional, o que, para quem conhece o que  gumas situações a explicitação de que a velocidade era  quarentão olhou para a sua esquerda, que era de onde
        realmente se passou, causa um sorriso forte e aberto.  mesmo superior a este valor. Afinal, o ponto medio do  poderia surgir um veículo, e foi quando se determinou
         Esta saída recente de Eduardo Cabrita, da pasta que  intervalo fornecido foi de... 163 km/h. Notícias que  a correr, quase levantando a mãe. Tudo se saldou em
        sobraçava, teve a mais completa lógica, depois de se  mostram, a níveis diversos, a má qualidade da nossa  décimos de segundo, ou os dois teriam ali sido atrope-
        assistir à acusação do Ministério Público ao motorista  grande comunicação social. De igual modo, percebe-  lados, porventura, morrido mesmo.
        que conduzia a viatura. E teve esta lógica porque os  -se que ninguém se interroga sobre o filme dos acon-  É claro que o veículo – um BMW branco – seguia a
        partidos da oposição, talvez com as exceções de ex-  tecimentos... Todavia, o leitor pode pensar por si neste   mais de 100 km/h, mas o par de concidadãos, embo-
        celência política do PCP e Verdes, de parceria com a  cenário: quando atravessa com o verde para os peões,   ra na passadeira, seguia com o sinal vermelho para os
        grande  comunicação  social,  completamente  alinha-  passando pela frente de um autocarro parado junto da   peões, situação que ele viu desde o início, para o que
        da com a Direita e a Extrema-Direita, iriam passar a  passadeira, o que deve fazer é olhar pelo lado esquer-  bastaria olhar para o local apropriado. Neste caso, a
        zurzir no antigo ministro, no Primeiro-Ministro e no  do do autocarro e para a sua retaguarda, a fim de se   causa foi simples: o quarentão olhou para o lado de
        PS. Como se percebe facilmente, seria isto que iria ter  assegurar de que um doido não se determina a seguir   onde poderia vir um carro, não vendo nada, determi-
        lugar. Portanto, seria mais que lógico que Eduardo Ca-  em frente, mesmo com o vermelho bem explicitado.   nando-se a atravessar com o vermelho para os peões.
        brita se tenha demitido do cargo.                Se assim não proceder – procedo sempre deste modo   Simplesmente, o carro surgiu da curva de grande raio
         Como usa dizer-se, rei morto, rei posto. Se saiu   –, bem poderá ir visitar um outro mundo.      de curvatura que o escondia e a mais de 100 km/h. De
        Eduardo e era péssimo – era o que diziam quase to-  Na noite de ontem, pela primeira vez, perante a refe-  um modo simples: a culpa foi múltipla, só não falecen-
        dos os partidos e a grande comunicação social –, de  rência à velocidade do veículo – os tais 163 km.h, em  do ali o quarentão e a mão por mero acaso. De resto,
        pronto da sua sucessora se começou a dizer (quase)  vez dos reais 163 km/h –, determinei-me a procurar o  comigo e com a minha mulher, também na Estrada
                                                                                                          de Benfica, frontalmente aos Pupilos do Exército, pas-
                                                                                                          sou-se algo muito parecido, embora sob um comple-
                                                                                                          to controlo pela minha parte. A jovem, conhecida de
                                                                                                          vista, ainda apitou, tendo mesmo levantado os braços,
                                                                                                          mas tudo estava sob o meu controlo, o que ela não sa-
                                                                                                          bia. Torna-se hoje simples perceber esta realidade ob-
                                                                                                          jetiva: os nossos jornalistas, analistas e comentadores
                                                                                                          nunca se referem a este possível cenário, o que mostra
                                                                                                          a autêntica chicana política que vem sendo posta em
                                                                                                          prática por estes, tal como pelos políticos e partidos da
                                                                                                          oposição, com as notáveis exceções do PCP e Verdes.
                                                                                                          E é por tudo isto que mantenho hoje uma enorme ex-
                                                                                                          pectativa pelo que virá a trazer-nos o julgamento deste
                                                                                                          caso.
                                                                                                           Finalmente, Eduardo Cabrita tem uma notável falta
                                                                                                          de saber estar político, fervendo em pouca água, inca-
                                                                                                          paz de se adaptar à realidade a que chegaram as demo-
                                                                                                          cracias: vale tudo, desde que possa servir para atingir
                                                                                                          o poder, desalojando de lá quem quer que seja. Quase
                                                                                                          com toda a certeza, Eduardo Cabrita não tomou co-
                                                                                                          nhecimento daquelas declarações de Donald Trump,
                                                                                                          ainda Presidente dos Estados Unidos, ao 60 Minutos,
                                                                                                          a cuja luz não se generalizava o direito ao voto a to-
                                                                                                          dos os americanos, porque se assim se fizesse o Parti-
                                                                                                          do Republicano nunca mais voltaria a vencer eleições.
                                                                                                          Quase com toda a certeza, Eduardo continuará por aí
                                                                                                          a dizer que os Estados Unidos são um Estado de Direi-
                                                                                                          to Democrático...
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