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A VOZ DE PORTUGAL | 10 DE MARÇO DE 2022  | 3                                     CRÓNICA
        Esperar o melhor, preparar para o pior




                       JORGE CORREIA                     todo. Como viver sem estarmos reféns desta mistura  brios emocionais ou mentais. A verdade é que se ele
                       Cronista do jornal                de delinquência e loucura? As sanções podem, estão  se vir encurralado certamente tentará levar todo o
                      A
                                                                                                          mundo com ele. Mas também não podemos viver re-
                                                         e vão continuar a ferir a economia russa, até ao pon-
                             invasão  da  Ucrânia  por  to em que ele achar demais e voltar a fazer ameaças.  féns de tal loucura. Em qualquer relação com este e
                             parte da Rússia carimba de  Que faremos então? Anularemos as sanções porque  futuros conflitos julgo um erro de palmatória dizer
                             forma inabalável o quan-
                                                         o “menino” Putin ficou aborrecido e contrariado? E  que não participaremos. No caso da Ucrânia foi o
                      to a barbárie e o atraso reinam no  se ele achar que os países vizinhos estão a ajudar a  mesmo que lhes abrir a porta de entrada. Temos que
                      seio da Humanidade.  Como já  re-  Ucrânia e isso é inconcebível, e ataca-os... que fare-  ser mais cínicos e menos claros nas nossas intenções
                      feri recentemente em outro artigo,  mos? Ficamos parados, porque o menino tem “pro-  ao mesmo tempo que adotamos uma postura em que
        julgávamos impensável o retorno de uma guerra  blemas” e como pode pegar fogo devemos aceitar  não hesitaríamos intervir caso necessário. Imaginem
        bárbara baseada em motivos aparentemente tão  toda e qualquer birra? Por isto penso que foi um erro  se a NATO e outros aliados já estivessem na Ucrâ-
        pueris quanto ilusórios como a segurança da Rús-  desde o início o facto de a NATO e os países euro-  nia... teria Putin invadido a Ucrânia da forma como
        sia estando em causa. Mas os motivos serão pueris  peus, e outros que desejassem associar, retirarem de  o fez? Tenho as minhas dúvidas, pois o ónus de um
        dependendo da realidade em que vivamos.          imediato a hipótese de qualquer intervenção ou mes-  conflito alargado estaria do lado dele, enquanto que
                                                         mo presença da mesma na Ucrânia. Que faria Putin  o declarado anúncio da restrição auto-imposta pelos
         Mas recuemos um pouco antes de mergulharmos no
        que se passa. Muitos estão admirados com a postura   se a NATO já estivesse instalada? Atacaria? Tenho as  EUA e a NATO colocou-os a correr atrás do prejuí-
        de Putin, com a sua alegada paranoia, com a violên-  minhas dúvidas, provavelmente ele mudaria de táti-  zo. Penso que estamos tão preocupados em evitar um
        cia do seu caráter e desrespeito pelo seu semelhante.   ca mas não se atiraria a uma guerra que de imediato  conflito que estamos a alimentá-lo cada vez mais a
                                                         impediria o seu progresso esperado. Seria um risco?  um ponto que o estrago será maior do que se tivésse-
         Mas Putin sempre foi assim.                     Sem dúvida, mas acho que seria um risco que valeria  mos tido uma diferente postura desde o início.
                                                         a pena correr.
         Ainda recentemente tive uma conversa sobre a for-                                                 Em última instância, é uma tristeza termos chega-
        ma como a Rússia evoluiu até aqui e recordei que   Assim, a comunidade internacional e em especial os  do até aqui. Chamam a Putin um grande líder, algo
        desde o início do século, quando por todo o mundo  europeus colocaram-se em modo de reação, sempre  que, humildemente, discordo profundamente. Putin
        inclusive em Portugal se badalava a Rússia como um  atrás das birras de Putin que colocou a barra tão alta  teve as circunstâncias certas e os recursos certos para
        mercado virgem para negócios, onde o incentivo e  das exigências assim como das ameaças que o encur-  modernizar a Rússia, torná-la mais tolerante, partici-
        mesmo aliciamento de companhias mundiais se fazia  rala a ele assim como a todos os países envolvidos. As  pativa, inclusive fazer da Rússia um marco de estabi-
        de modo claro, numa tentativa de ocidentalização e  atuais sanções não vão fazer efeito pois ele já tinha  lidade mundial e estou certo que aí sim, ficaria para
        amenização dos problemas pós-soviéticos, dizia eu,  previsto isto pois trata-se do modo de reação a que  a História como um dos grandes líderes da Huma-
        recordo a minha incerteza quanto a essa opção, pela  ele já está habituado. As sanções aos oligarcas tam-  nidade. Mas Putin preferiu o atraso, o rancor de um
        desconfiança que tinha em relação a Putin e seu re-  bém não terão grande efeito pois estes protegem-se  passado que não volta mais, falhando assim a opor-
        gime.                                            bem e não estão atualmente no núcleo duro.       tunidade que lhe foi concedida. É como o condutor
                                                                                                          que conduzindo para a frente ficou obcecado com a
         A forma como ele dizia algo e fazia o seu oposto   O verdadeiro núcleo duro, que porventura terá in-  estrada que ficou para trás de tal forma que perdeu
        preocupavam-me, em especial a crescente depen-   centivado esta invasão e participado nos seus planos   o senso de direção e cedo ou tarde se despistará. A
        dência da Europa em relação à Rússia. Preocupava-  não tem mansões pelo mundo fora nem relações   pergunta será: quantos afetará ele com este despiste?
        -me que havia um odor a ilusão, a sedução, a embus-  comerciais com o ocidente como os oligarcas. Este   Quantas vidas serão ceifadas até este condutor tres-
        te que se foram intensificando principalmente com  núcleo duro pertence a uma outra época, à época so-  loucado se deter ou ser detido?
        a intervenção militar na Geórgia que selou a minha  viética no seu estado mais puro, que não quer nem
        total desconfiança em relação ao líder Putin. Que di-  participa em nada com o mundo ocidental.
        zer do circo de alternância entre Putin e Medvedev,
        ora um era primeiro ministro e o outro presidente,   Estes estão ao abrigo das sanções pois vivem do po-
        ora trocavam de lugares? E da divulgação de infor-  der que têm na Rússia e isso serve aos seus interesses.
        mação que ele pretendia sair e de repente “propõe”   Não adianta nada estarmos a fazer especulações se
        uma resolução que o eterniza no poder? Não admira,   Putin está ou não doente, se tem ou não desequilí-
        portanto, termos chegado aqui.
         No presente, fruto de uma necessidade que se torna
        maior do que a realidade em si, o ocidente manda
        mensagens de que receando um conflito que dege-
        nere em nuclear, Putin pode fazer o que quiser sem
        qualquer consequência. Os avisos atuais dele são
        claros: metam-se no meu caminho e eu carrego nos
        botões que tenho mesmo que pegue fogo a este circo
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