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A VOZ DE PORTUGAL | 2 DE NOVEMBRO DE 2023 COMUNIDADE 9
“APRENDER DE COR QUEM SE AMA”
RICARDO PIMENTEL poucas as estruturas, são poucas as instituições ergui- tudes. Não são raras as vezes em que amizades de vin-
O Não merecerá esta multidão ser recordada? valorizar mais o bem de décadas em detrimento de
te, tinta, quarenta anos se dissolvem por não sabermos
das pelas gerações actuais.
mês de Novembro é o mês da
Este é o tempo de APRENDER. A caducidade da vida uma ofensa localizada numa pequena fração de tempo
saudade e da esperança. É fei-
to de tempo que nos ensina ensina-nos que devemos “aprender de cor quem ama-
a fazer memória e a aprender com a mos”. e circunstância.
Torna-se, igualmente, uma necessidade urgente
terra que pisamos nos cemitérios que, Uma das falácias do nosso tempo é fazer-nos crer que aprender que os afetos são condição fundamental do
porventura, visitamos. É um mês que nos recorda a somos eternos neste mundo e, por isso, comportámo- Ser Humano. O mês de Novembro impele-me a de-
grande dádiva de Deus à Humanidade: a Vida Eter- -nos como se as pessoas de quem gostamos fossem du- sejar que não mais haja mães que morram a desejar
na. Infelizmente, muitos crentes já não acreditam rar para sempre. um abraço de um filho/a; que não mais haja pais no
nesta verdade de fé. Acreditar é aceitar sem perceber Em vida, raramente faz-se o esforço consciente de seu leito de morte a desejar ouvir “vai pai, vai em paz,
na totalidade. A Vida Eterna, não sendo uma verda- olhar para quem se ama como quem se prepara para eu amo-te”; que não mais haja brigas entre irmãos por
de científica, é uma verdade de fé, uma verdade que lembrá-las no futuro e, infelizmente, ao chegar a der- meia quarta de terra. Fico a pensar: quantos pais mor-
faz sentido e que dá sentido à vida terrena. radeira hora do “desaparecimento”, não guardamos rem com os filhos entalados na garganta?
Este é o tempo de fazer MEMÓRIA. A memória é o memórias suficientes. “Em tudo o que fazes olha o teu fim!” Este é o grande
sopro que permite aos mortos viverem através de nós. A terra do cemitério desafia-nos a olhar para quem segredo da vida.
Recordar, rezar, fazer o bem (Caridade, como gesto está ao nosso lado e diz-nos, sussurrando baixinho, “SIT MORS PRO DOCTORE”, que a morte seja mes-
de Amor) e oferecer por quem partiu antes de nós é que devemos tentar “aprender de cor quem amamos” tra, diz Santo Agostinho.
mais que justo: somos o que somos pelos que nos ante- antes que chegue o dia da partida. Que ela nos tire as peneiras e as ilusões.
cederam! Na minha ainda curta existência, não são ra- Alguém dizia com sábias palavras: “Não vás ao meu
ras as vezes em que dou por mim a pensar nas pessoas funeral mostrar o quanto gostaste de mim, mostra-me
que já passaram pela minha vida e já morreram. Muito agora em vida o quanto gostas de mim." Continuava
semearam em mim, deixando marcas indeléveis que este amigo: "sabes porque as pessoas recebem mais
me permitem ser o que sou hoje. Sinto que, de certa flores na morte do que em vida? Porque o remorso,
forma, continuam a viver através de mim. Só nos faz infelizmente, acaba sempre por ser maior do que a
bem pensar em quem morreu antes de nós: pais, mães, gratidão.”
avós, irmãos, vizinhos, amigos de peito, professores, É verdade que a que a morte quando vem, vem como
catequistas, enfermeiros, médicos, sacerdotes, anóni- um ladrão, mas é igualmente verdade que ela tem o
mos… passaram, moldaram, deixaram um pouco de condão de nos levar a ver o essencial. O nosso povo
si em nós, tocando almas e corações. costuma afirmar que as pessoas antes de falecerem têm
Homens e mulheres, jovens e crianças trilharam as muitos defeitos, mas quando morrem só têm qualida-
ruas que hoje pisamos, fundando instituições, cons- des. Pessoalmente, não vejo mal nisso: sinal de que
truindo edifícios e monumentos que hoje estão ao a morte nos leva a olhar mais para o melhor de cada
nosso serviço. Se existir alguma honestidade intelec- um e a desvalorizar o menos bom. Triste é quando, em
tual, forçosamente chegaremos à conclusão de que são vida, a tendência é acentuar mais os defeitos que as vir-